COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Protagonismo juvenil: adolescência, educação e participação democrática. Salvador: Fundação Odebrecht, 2000.
Começo
de conversa
O
termo “protagonismo Juvenil” vem despertando no brasil, tanto da parte de
conservadores confessos, como pretensos mudancistas, interpretações abusivas e
injustas, as quais, desde já, vale a pena encarar de frente, sob o risco de
gerar um debate marcado mais pelo calor dos entrechoques dogmáticos do que pela
luz da busca serena da verdade contida nas idéias e nos fatos.
O
termo “protagonismo”, em seu sentido atual, indica o ator principal, ou seja, o
agente de uma ação, seja ele jovem ou um adulto, um ente da sociedade civil ou
do Estado, uma pessoa, um grupo, uma instituição ou um movimento social.
No
entanto, quando falamos em protagonismo juvenil, estamos nos referindo a um
tipo particular de protagonismo, que é aquele desenvolvido pelos jovens. Neste
livro, cabe ainda um outro recorte. Aqui, quando falamos de protagonismo,
estamos tratando de universo ainda mais específico, que é aquele constituído
prioritariamente pelos adolescentes. Na legislação brasileira (Lei nº 8.069/90)
adolescentes são pessoas entre doze e dezoito anos de idade.
O
adjetivo, como sabemos, delimita e imprime caráter à coisa adjetivada. Quando
falamos de protagonismo juvenil, é preciso delimitar. Estamos tratando de
adolescentes ou, no máximo, de adolescentes e de jovens adultos. Não estamos,
portanto, nos referindo nem às crianças, nem aos adultos plenos. O segundo
ponto de delimitação consiste em responder à indagação acerca do caráter que o adjetivo
“juvenil” imprime ao substantivo “protagonismo”.
Para
responder a essa pergunta, temos de pensar no significado da adolescência como
fase de transição, ou seja, fase de travessia. E são muitas as travessias da
adolescência. Travessia entre a heteronomia da infância e a autonomia da idade,
adulta, entre o mundo da educação e o mundo do trabalho, entre a condição de
filho e a possibilidade de fazer filhos. Para empreender essas travessias, o
adolescente passará por uma trajetória biográfica (estudo, trabalho,
participação em grupos, entidades e movimentos de diversas naturezas) e por uma
trajetória relacional (conjunto das relações interpessoais por ele
estabelecidas ao longo de sua trajetória biográfica com o mundo adulto e com
seus pares, outros adolescentes).
A
educação nacional tem como objetivos maiores e formação integral do educando, a
sua preparação para a cidadania e a sua qualificação para o trabalho. Visa,
portanto, formar a pessoa, o cidadão e o trabalhador. O protagonismo juvenil
relaciona-se, basicamente, com a preparação para a cidadania. Não podemos,
entretanto, aprisioná-lo nesse campo. Sua prática tem-se revelado extremamente
frutífera, como estratégia propiciadora do desenvolvimento pessoal dos
adolescentes, assim como do desenvolvimento de qualidade que os capacitam para
ingressar, permanecer e ascender no mundo do trabalho.
No
campo do desenvolvimento pessoal (aprender a ser), a prática do protagonismo
contribui para o desenvolvimento do senso de identidade, da auto-estima, do
autoconceito, da autoconfiança, da visão do futuro, do nível de aspiração
vital, do projeto e do sentido da vida, da autodeterminação, da auto-realização
e da busca de plenitude humana por parte dos jovens.
No
campo da capacitação para o trabalho (aprender a fazer), o protagonismo
propicia ao jovem, através de práticas e vivências estruturantes, o
desenvolvimento de habilidade como autogestão, heterogestão e cogestão, ou seja
aprende a lidar melhor com suas potencialidades e limitações (gerir a si
mesmo), a coordenar o trabalho de outras pessoas (atuar sobre a atuação de
outro) e a agir conjuntamente com outros adolescentes e adultos na consecução
de objetivos comuns (trabalho em equipe).
Nesse
sentido, o protagonismo juvenil diz respeito à atuação criativa, construtiva e
solidária do jovem, junto a pessoas do mundo adulto (educadores), na solução de
problemas reais na escola, na comunidade e na vida social mais ampla.
Por
que atuação solidária com pessoas do mundo adulto, ou seja, com educadores? É
muito simples. As crianças são heterônomas (dirigidas a partir de fora): já os
adultos são ou deveriam ser autônomos (dirigidos a partir de dentro, de si
mesmos). E os adolescentes? Os, qualquer pai, mãe ou educador sabe muito bem
disso, não são nem heterônomos, como as crianças, nem autônomos, como os
adultos. Eles são detentores, na verdade, de uma autonomia relativa. Sua vida é
marcada pela sucessão de circunstâncias e situações em que a autonomia e a
heteronomia se alternam e, às vezes, até se superpõem. Esse fato gera situações
confusas tanto para os adolescentes como para seus pais e educadores. É nesse
contexto que se configura a onipresente discussão acerca dos limites na relação
dos jovens e demais educadores.
Uma
vez entendida a autonomia relativa do adolescente como parte constitutiva de
sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, parece ingênuo dizer que o
protagonismo juvenil é uma forma de autonomia precoce e descabida dos jovens.
Por
se tratar de pessoas em condição peculiar do desenvolvimento, o protagonismo,
mais do que justificar, pressupõe e exige a presença do educador como pólo
ordenador (irradiador de referências) da relação do adolescente consigo mesmo,
com os outros adolescentes e com a situação sobre a qual ele está atuando.
O
protagonismo é uma forma de ajudar o adolescente a construir sua autonomia,
através da geração de espaços e situações propiciadoras de sua participação
criativa, construtiva e solidária na solução de problemas reais, como já
dissemos, na escola, na comunidade e na vida social mais ampla.
Não
se trata, portanto, de os adultos se demitirem do seu papel e jogar sobre os
jovens o peso total da responsabilidade do que ocorreu ou deixou de ocorrer.
Trata-se do estabelecimento de uma co-responsabilidade entre jovens e adultos
pelo curso dos acontecimentos, que resulta de sua atuação conjunta.
O
objetivo é que os jovens posam ir construindo sua autonomia através da prática,
da situação real, do corpo-a-corpo com a realidade, a partir da participação
ativa, crítica e democrática em seu entorno social. As relações
escola-comunidade, os programas não-formais de educação para a cidadania, o
movimento estudantil do tipo novo (não instrumentalizado por organizações
político-partidárias e ideológicas do mundo adulto), as ações nos campos do
meio ambiente, da saúde, da promoção da qualidade de vida, da cultura, do
esporte e do empreendedorismo produtivo são exemplos típicos de áreas onde esse
tipo de participação juvenil pode ser exercido de modo pleno.
O
protagonismo juvenil é uma forma de atuação com os jovens, a partir do que eles
sentem e percebem da sua realidade. Não se trata de uma atuação para os jovens,
muito menos de uma atuação sobre os jovens. Portanto, trata-se de uma postura
pedagógica visceralmente contrária a qualquer tipo de paternalismo,
assistencialismo ou manipulação.
Na
verdade, como se pode depreender da leitura deste capítulo, a adoção da
perspectiva ético-política e da metodologia do protagonismo juvenil traz como
exigência a necessidade de mudanças na cultura das pessoas, das organizações
(com ênfase na escola) e no contexto sócio-comunitário em que a ação se
desenvolve. Falar, por exemplo, em desenvolvimento local sustentável sem mudar
os modos de ver, entender e agir de todos os agentes envolvidos é pura e
simplesmente perda de tempo. Os jovens, segundo o papa João Paulo II, “aqueles
a quem pertence e de quem depende o futuro”, são parte fundamental e decisiva
desse processo, pois de sua afetiva e plena mobilização e engajamento na causa
depende a reprodução intergeracional dos dinamismos que promovem e sustentam o
desenvolvimento.
A
perspectiva que defendemos nega tanto o ativismo irresponsável dos que têm
visão messiânica do papel dos jovens nos processos de mudança social em nível
local, como também os cultores da sua manipulação e do seu apassivamento
social. Nossa posição é a de um sólido e objetivo realismo pedagógico. Os
adolescentes carecem de diretividade. Não se trata, porém, de uma diretividade
que venha a tolher sua iniciativa e sua criatividade; ao contrário, defendemos
a diretividade democrática, ou seja, uma forma de direcionamento que, em vez de
inibir, estimule o exercício de níveis crescentes, de autoconfiança, de
autodeterminação, de autonomia.
A
diretividade democrática e progressivamente decrescente do educador é o meio. A
autonomia e autotelia do adolescente são o fim da modalidade de protagonismo
juvenil que defendemos. A autonomia é a normatização da conduta do adolescente
a partir de si próprio. Da mesma forma, a autotelia é o estabelecimento por ele
mesmo dos fins da sua atuação em relação a si próprio e à realidade que o
cerca. Como se vê, estamos diante de uma via de condução pedagógica da
participação cidadã por parte do jovem que nega os vícios de direita e de
esquerda. Aqui, a questão fundamental é indagar se, efetivamente, existe
maneira mais adequada de preparar as novas gerações para viver a democracia,
atuar no mundo do trabalho da era pós-industrial e relacionar-se de forma
construtiva e solidária consigo mesmo e com os outros na cultura da
pós-modernidade.
Para
quem, como nós, provém de matrizes de pensamento que, de repente, atropeladas
pelas mudanças, se tornaram velhas e desgastadas, é fundamental o exercício de
estrita disciplina de contenção e de despojamento diante do novo. A tentação de
filtrar a realidade emergente pelos poros dos velhos paradigmas na condução da
educação das novas gerações é um erro capaz de anular a possibilidade de
exercemos sobre elas uma influência construtiva.
Ao
longo deste livro, em especial no capítulo 12, quando abordamos os padrões de
relacionamento entre jovens e adultos no exercício do protagonismo juvenil
(dependência, colaboração e autonomia), ficará ainda mais clara a real natureza
dessa modalidade inovadora de ação educativa. O importante é evitar compreensões
equivocadas e sem base na realidade dos fatos – como a desconfiança em relação
aos jovens, a descrença no seu potencial de transformação e o medo atávico de
mudanças nas correlações de força e de poder entre as gerações –, que podem
levar pessoas, grupos e instituições a ver ameaças onde elas não existem e
culpar o protagonismo juvenil pela sua própria perplexidade diante da
complexidade e rapidez das transformações em curso nos dias de hoje em todas as
esferas da atividade humana.
Caminhos
e descaminhos da participação juvenil
Auto-estima:
um fator crucial – “A auto-estima é talvez a variável mais crítica, que afeta a
participação exitosa de um adolescente com outros em um projeto. É juízo de
valor que o jovem faz de si mesmo, baseado em sua própria capacidade de fazer
as coisas. Os adolescentes com baixa auto-estima desenvolvem mecanismos que
provavelmente distorcem a comunicação de seus pensamentos e dificultam a
integração grupal”.
A
via do desenvolvimento pessoal e social – “A inclusão em uma gama de situações
pode colaborar para que o adolescente demonstre sua capacidades, levando-o a
melhorar sua auto-estima”.
As
condições parta uma participação autêntica – “Não se pode discutir a
participação dos jovens sem levar em conta as relações de poder e a luta pela
igualdade de direitos. É importante que todos os jovens tenham oportunidade de
participar dos programas que afetam sua vida diretamente”.
Os
benefícios da participação – “Os benefícios são de duas ordens principais:
Aqueles
que permitem que os indivíduos se desenvolvem como membros mais competentes e
seguros de si mesmos na vida social e aqueles que melhoram a organização e o
funcionamento das comunidade.
O
papel construtivo da participação – “Os adolescentes lutam para encontrar para
si um papel significativo na sociedade. Se não encontram oportunidades de
desenvolver sua capacidades de maneira responsável, encontrarão outras que são
irresponsáveis”.
Participação
e espírito democrático – “A participação não só permite que um adolescente tenha
o direito de expressar-se. Ela é igualmente valiosa para capacitar os
adolescentes a descobrir, na prática, o direito de os outros terem também suas
próprias formas de expressão. Por estarem envolvidos em projetos reais, o
diálogo e a negociação com outros jovens e com alunos são inevitáveis.”
Participação
e autonomia - “ O florescimento da personalidade por meio do desenvolvimento da
autonomia depende fundamentalmente das relações sociais que ela for capaz de
estabelecer. Vista dessa forma, a participação não é somente um enfoque para se
obter uma adolescência socialmente mais responsável e mais cooperativa. É mais:
é o caminho para o desenvolvimento de uma pessoa socialmente sã.”
Participação
e coesão social – “Por meio de experiências positivas de grupo, os adolescentes
descobrem que estarem organizados é uma coisa fundamental para seus próprios
interesses. A organização com base no interesse mútuo é provavelmente a base
mais forte para a organização cultural e política de uma sociedade.”
Formas
de não-participação: manipulação, simbolismo, decoração – “A participação
manipulada é o nível mais baixo de participação. Às vezes os adultos pensam que
os fins justificam os meios. Essas ações derivam da falta de compreensão dos
adultos acerca do que são verdadeiramente capazes as crianças e os jovens. Isso
os leva a fazer ou dizer coisas previamente determinadas por esses adultos. A
participação é decorativa quando os jovens estão ali somente por um lanche, um
passeio, um espetáculo e tentam fazer crer que sua presença significa adesão a
determinada causa. O simbolismo ocorre quando, em conferências e eventos
adultos, alguns jovens são chamados a dizer alguma coisa que não terá, no final
das contas, qualquer importância real no curso do evento.”
A
importância da educação familiar para a criação de uma sociedade
verdadeiramente democrática e participativa - “É necessário animar as famílias,
para que se abram a uma maior participação das crianças e adolescentes, como
parte de um movimento geral para a criação de uma sociedade mais democrática,
com maiores oportunidades de igualdade de direitos para todos. (...) A família
é o cenário primeiro do desenvolvimento da responsabilidade pessoal e da
capacidade de participar.”
Participação
e práticas educativas tradicionais - “A participação é um importante antídoto
às práticas educativas tradicionais, que correm o risco de deixar a
adolescência alienada e exposta à manipulação. Por meio de uma participação
genuína em projetos que levem à solução de problemas verdadeiros, os jovens
desenvolvem capacidade de reflexão crítica e comparação de perspectivas, que
são essenciais para a autodeterminação de sua opções políticas. O benefício é
duplo: a autodeterminação do jovem e a democratização da sociedade.”
Participação
e escola – “As escolas, como parte integrante da comunidade, devem ser um lugar
capaz de fomentar nos jovens a compreensão e a experiência da participação
democrática.”
Protagonismo
e relação entre jovens e adultos – “A colaboração produtiva entre jovens e
adultos deve ser o núcleo de qualquer sociedade democrática que deseje
aperfeiçoar-se, através da continuidade entre o passado, o presente e o
futuro.”
Pobreza
e participação – “Os defensores da criança e do adolescente têm que trabalhar
arduamente para que a voz dos meninos pobres seja ouvida. Sem um esforço nessa
direção, é provável que só sejam ouvidos os jovens de classe média.”
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