Nestes dezesseis anos de experiência clínica,
deparei-me inúmeras vezes com crianças com dificuldades escolares. Todas as
semanas chegam à clínica uma boa quantidade de pacientes com queixas que giram
em torno do processo de aprendizagem, causando, de alguma forma, algum prejuízo
em sua vida escolar.
Nem todas as crianças chegam diretamente à
fonoaudióloga. Muitas famílias, exaustas do estresse que permeia este processo,
procuram num primeiro momento o psicoterapeuta, uma vez que a criança ou
adolescente não apresenta “troca de letras” para escrever, mas sim uma
incapacidade em absorver o que é ensinado, sintomas de desatenção,
desmotivação, entre outras tantas queixas relacionadas à escola.
O psicólogo por sua vez, traça todo seu trabalho em
cima daquela queixa, algumas vezes encaminhando este paciente a um
psicopedagogo. Perfeito! Porém, não suficiente. O que percebemos é que, na
maioria das vezes, a queixa se prolonga, o trabalho fica extenso, moroso e este
é um candidato a realizar ambas as terapias por anos, ou até que o cansaço
vença esta criança/ adolescente e esta família, sem resolver efetivamente o
problema.
A fonoaudiologia descobriu há alguns (poucos) anos
atrás que este pode ser um problema maior, um problema CENTRAL, que gera na
criança/ adolescente uma incapacidade REAL de aprender. Esta incapacidade pode
estar ligada diretamente ao PROCESSAMENTO AUDITIVO.
O PA é a forma como o indivíduo PROCESSA as
informações que recebe pela via auditiva. A audição entra pelas orelhas
(audição periférica) e aquilo que entra perifericamente é processado no sistema
nervoso central (audição central).
Ao contrário do que muita gente acredita, é um
problema muito comum, e não está relacionado com déficit de inteligência ou
déficit de audição.
A maioria das crianças que apresentam alteração do
PA são crianças/ adolescentes “normais”. Os sintomas são muitas vezes
confundidos com preguiça, desleixo, distração ou até mesmo, dependendo da
dinâmica familiar, agressividade e enfrentamento.
Os pais costumam chegar ao consultório com os seguintes
discursos: “Meu filho é preguiçoso, quando está em frente à televisão e é
chamado, não responde, finge que não ouve, mas ele ouve, porque até já fez uma
audiometria e deu normal”; ou “não sei mais o que faço com esse menino, ele
começa estudar e vai pro mundo da lua, você olha pra cara dele e percebe que
ele está viajando, até os professores dizem a mesma coisa”; ou: “essa criança
não pára quieta, a gente senta pra estudar e parece que tem formiga na cadeira,
ele pega o lápis, fica balançando, mexendo os pés, olha a mosca passando, não
consegue se concentrar em nada que não seja do interesse dele”; ou ainda “não
sei o que acontece, ele é quieto, não dá o mínimo trabalho, mas você estuda com
ele depois pergunta e vê que ele não entendeu absolutamente nada”; ou: “ele é
devagar, nunca consegue terminar de copiar o que está na lousa antes que a
professora apague”; ou então: “ele lê fluentemente, mas quando você pede pra
ele contar o que leu, ele não consegue”.
Inúmeras são as situações que podem evidenciar um
transtorno do processamento auditivo e normalmente: NENHUMA DELAS ESTÁ
RELACIONADA DIRETAMENTE À AUDIÇÃO e na maioria dos casos, a audiometria
apresenta-se NORMAL.
Geralmente, crianças que apresenta trocas de letra
na fala, são grandes candidatas a apresentarem alteração do PA, uma vez que já
se percebe desde pequeno uma certa dificuldade de processar e organizar aquilo
que ouve e reproduzir.
A boa notícia é que já existe tratamento para estes
transtornos. Além da psicoterapia, IMPRESCINDÍVEL, uma vez que essa criança e
essa família estão completamente desestruturadas pelo estresse gerado em ambos
em decorrência deste processo, a FONOAUDIOLOGIA vem contribuir imensamente com
o TREINO AUDITIVO para adequar essas habilidades.
É um trabalho muito específico, realizado num
ambiente silencioso, com fones de ouvido, com informações diferentes em cada
orelha, com ruídos competitivos, para que ele aprenda a manter a concentração
em ambientes com barulhos (para crianças com alteração do PA, um colega virando
uma simples página do caderno pode fazer com que a criança se desconcentre);
memória auditiva para que o conteúdo seja absorvido mais facilmente (uma vez
que a maioria das informações que recebemos na escola entra pela via auditiva);
integração inter-hemisférica (para que os dois lados do cérebro trabalhem
juntos), entre outros.
Com este trabalho, o cérebro realiza novas conexões
(sinapses) que não existiam anteriormente, adquirindo novas habilidades e
finalmente, ele estará pronto e adequado para receber as informações vindas da
escola ou do mundo.
O Processamento Auditivo é um treino para a vida!
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