Joaquim
Dolz e Edmée Ollagnier
A EMERGÊNCIA DA LÓGICA DAS
COMPETÊNCIAS NAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
Em
um artigo de 1966, com o provocador título "A irresistível ascensão do
termo 'competência' na educação", Marc Romainville analisava a emergencia
da palavra "competência" em documentos oficiais. O termo
"competência" se insere no hit parade das
apelações pedagógicas. É um daqueles termos que foram impostos subitamente em
um determinado campo, mas que, sem dúvida, exigem uma análise mais profunda de
sua origem e do motivo de seu sucesso. No entanto, a noção de competência nas
ciências da educação provoca, com freqüência, incertezas léxicas e
controvérsias, devido à dificuldade de identificar claramente os fenômenos que
ela tenta objetivar. Ela faz parte daquelas noções cujas definições só podem
ser apreendidas por meio da evolução das tendências educativas e de pesquisa
que a utilizam e que devem servir de referencial para esclarecer os diversos
sentidos a ela atribuídos.
O
objetivo desta obra é contribuir com a compreensão dessa noção, questionando
seus usos tanto nos textos pedagógicos, sobretudo nos programas e currículos
escolares, como no domínio da formação profissional e contínua. Ao iniciar o
debate sobre o status de uma noção emergente e controvertida e
ao comparar os diversos trabalhos sobre a questão, a série Razões
educativas interpela os pesquisadores na área das ciências da
educação. Tal noção questiona a pertinência e a legitimidade dos saberes
conceituais elaborados, as concordâncias/discordâncias dos fenômenos que esses
saberes identificam e explicam, assim como o próprio método pelo qual os
saberes são construídos. Em suma, ela questiona a própria influência que o
contexto socioeconômico e as limitações dos sistemas institucionais de formação
exercem sobre a elaboração desses saberes.
O
que é a competência?
Todos
que pertencem ao mundo das ciências da educação debatem a noção de competência;
porém os usos dessa noção não facilitam sua definição. A dificuldade de
defini-Ia aumenta com a necessidade de utilizá-la. Embora a competência
tenha-se tornado uma noção midiática, ela não representa para todos os autores
um conceito operacional.
Para
compreender melhor por que essa noção se tornou tão atraente a partir dos anos
de 1970 no mundo do trabalho, da formação e da escola, parece-nos necessária
uma análise histórica. A origem da noção, as causas da facilidade de seu
sucesso e o sentido que progressivamente lhe foi atribuído merecem ser
estudados. Por que se prefere essa noção em vez das noçoes de capacidade,
conhecimento, savoir-faire, aptidão ou potencialidade?
Em
uma primeira acepção bastante geral, a noção de competência designa a
capacidade de produzir uma conduta em um determinado domínio. Há mais de um
século, ela está presente em trabalhos do âmbito da psicologia. No entanto, só
se tornou objeto de um debate científico quando Noam Chomsky, no contexto da
lingüística gerativa, passou a utilizar sistematicamente a oposição
competência/desempenho. Para esse autor, a competência sugere aquilo que o
sujeito pode realizar idealmente, graças a seu potencial biológico, enquanto o
desempenho está relacionado com o comportamento observável que não passa de um
reflexo imperfeito da primeira. Por analogia a esse último uso, essas duas
noções começaram a se destacar.
A
emergência da noção de competência na área da educação evidencia mudanças
epistemológicas. Ela remete à noção de construção interna, ao poder e ao desejo
de que o indivíduo dispõe para desenvolver o que lhe pertence como
"ator", "diferente" e "autônomo". Essa noção se
insere perfeitamente bem em um reforço das concepções cognitivistas. Todavia, é
possível que seja integrada aos trabalhos que se referem ao paradigma
sociocultural?
No
domínio do trabalho, a competência caracteriza as dimensões potenciais ou
efetivas dos trabalhadores de agir eficazmente em função das exigências das
empresas. Com a noção de competência, definem-se os saberes experienciais
necessários ao trabalho, os quais permitem que os sujeitos resolvam os problemas
que surgem na vida profissional. Portanto, quando se coloca em primeiro plano
as práticas que apelam à competência, percebe-se uma espécie de desvalorização
dos saberes acadêmicos ou especializados, bem como uma vontade de manter os
empregados em um status de simples executantes.
A
noção de competência também pode ser analisada como resultado de uma evolução
das mentalidades pedagógicas. Resta compreender a transformação das idéias
pedagógicas que ela implica, ou seja, sua relação com o movimento da escola
ativa (pedocentrismo, princípio de atividade, desenvolvimento dos procedimentos
do pensamento). Atualmente, o que chama nossa atenção é a comprovação de sua
extensão nos programas e currículos escolares.
Em
suma, por ser exageradamente utilizado, o termo competência passou a provocar
numerosas confusões. Por exemplo, diz-se que o fato de ter conhecimentos,
técnicas ou capacidades de gestão não significa ser competente. Além disso,
fala-se em "mobilizar competências", no entanto, ao mesmo tempo, afirma-se
que a competência não reside nos recursos, mas na mobilização desses recursos.
Por outro lado, ela é considerada "saber integrador no contexto da
ação", porque insiste nas condições de aplicação e em sua natureza
combinatória. Esses novos significados mudam o sentido inicial da noção de
competência elaborada por Chomsky. Logo, como poderíamos chegar a uma definição
operacional?
As competências nos programas e
currículos escolares
Hoje
em dia, é possível analisar concretamente a forma como as competências são
apresentadas nos documentos oficiais. O uso dessa noção provoca mudanças que
devem ser analisadas com relação aos antigos programas escolares. Será que
existe em tais documentos um sentido geral da noção de competência? Atualmente,
podemos estabelecer um certo número de indicadores explícitos nos referenciais
de competências e a forma de hierarquizá-los. As relações com as expectativas
do ambiente socioeconômico, com os saberes disciplinares, com as etapas de
desenvolvimento dos comportamentos do aprendiz e com os métodos de organização
do trabalho podem ser estudadas nesses referenciais; por outro lado, chama
nossa atenção o lugar atribuído às denominadas competências transversais ou
coletivas. Somado a isso, é possível captar o status das competências por meio
das propostas de avaliação. Podemos dizer que, com a "lógica da
competência", as formas de sociabilidade e de socialização escolares se
transformaram?
A
partir de uma aprendizagem centrada nas matérias (na qual os saberes são
acentuados), a pedagogia norteada pelas competências define as ações que o
aluno deve ser capaz de realizar depois da aprendizagem. Alguns consideram que
a lógica do ensino das disciplinas está a serviço dessas ações; porém outros
afirmam que ela representa um entrave por tornar as aprendizagens mais rígidas.
Também são suscitadas questões sobre as complexas relações entre a lógica do
ensino das disciplinas e a lógica da competência associada à aquisição de uma
especialização complexa, transversal e exportável para fora do campo escolar.
Quando os novos currículos insistem nas novas experiências e em modos de
trabalho "na prática", sem fornecer os saberes formais
correspondentes, os discursos sobre a mobilização da competência podem levar,
de forma paradoxal, a seu empobrecimento. Por outro lado, a lógica da
competência tem o mérito de lembrar que a apropriação dos saberes formalizados
não é suficiente para prejulgar ações eficazes. Como é que as didáticas das
disciplinas encaram essa problemática? Aqui também surge o problema da
avaliação: as competências podem ser captadas por meio da análise das práticas
da avaliação.
As competências na encruzilhada da
formação profissional
O
uso da noção de competência no mundo da educação também é feito por meio da
formação profissional. Por isso se tenta defini-Ia relacionando-a a um
vocabulário habitualmente utilizado no mundo do trabalho. A linguagem
"econômica" está muito presente: a competência reside em uma certa
eficiência, em um desempenho na ação. É como se o termo competência se situasse
em um determinado nível de complexidade que permitiria ultrapassar as noções de
capacidade, qualificação, savoir-faire, etc., integrando-as todas, ter certos
conhecimentos, teóricos ou práticos; ter a capacidade de mobilizar alguns saberes,
alguns recursos na ação; ter uma representação correta da situação, de seus
desempenhos ... ; tudo isso permitiria a construção de competências.
Nos
discursos do mundo do trabalho, o apelo às competências questiona as
profissões, os saberes profissionais e o conteúdo das atividades em prol das
funções ditas transversais. Não obstante, alguns autores, como Dugué (1994,
p.273), afirmam o seguinte:
A
lógica da competência, imposta sob o pretexto de permitir que as empresas se
adaptem mais rapidamente, tende cada vez mais a destruir as formas de
sociabilidade que existiam entre os funcionários, construindo a ilusão de que
existe um consenso entre indivíduos diferenciados e concorrentes.
Essa
constatação nos leva a questionar as opções ideológicas subjacentes à noção de
competência. A compreensão da relação entre o ser humano e a atividade por meio
das competências supera o interesse tradicional estrito pelos conteúdos
específicos da própria atividade e de seus saberes. Quais são as conseqüências
dessas mudanças nos ambientes de trabalho?
Essas
mudanças repercutem no campo da formação. Nesse contexto, o interesse por essa
noção remete ao fato de que ela permite pensar nos vínculos existentes entre as
instituições educativas e o mundo do trabalho, entre os saberes escolares e os
saberes "vivos", uma vez que ela leva em consideração a evolução do
mundo econômico. A problemática das competências representa uma verdadeira
virada na maneira de pensar a preparação das novas gerações a fim de que elas
sejam mais eficazes para enfrentar as dificuldades da vida e da sociedade.
Entretanto, essa maneira de pensar pode criar a ilusão, nas instituições
educativas, de que elas se abriram de forma eficaz para a cidadania, de que
levam em conta a pessoa e seu futuro em suas aprendizagens.
No
caso da educação de adultos, a noção de competência está presente explícita e
tacitamente; porém continua sendo um "enigma". O reconhecimento de
sua operacionalidade e o domínio de sua compreensão epistemológica parecem
modificar os princípios estabelecidos nesse campo. Segundo a definição de Le
Boterf (1994), a competência se encontra na encruzilhada entre a formação
profissional, a situação de formação e a biografia do indivíduo. Os saberes
mobilizados na ação ultrapassam a habitual separação entre saberes didáticos,
pedagógicos e experienciais. Para os formadores, essa maneira de repensar e
reorganizar os dispositivos dá lugar ao uso de recursos na atividade. Essa realidade
questiona suas próprias funções e competências. Os formadores se baseiam na
exploração dos espaços de formação externos a seu contexto de referência
habitual para exercer sua futura missão. Nesse caso, é preciso redefinir as
profissões da formação de adultos e extrair as conseqüências sobre os
dispositivos de formação de formadores?
Atualmente
as formações superiores estão mudando: criação de escolas de alto nível, maior
envolvimento da universidade na formação profissional. Generaliza-se o campo
criado em torno da noção de competência. Fala-se, por exemplo, das novas
formaçoes iniciais dos professores, de "profissionalizar o ofício de
professor", de "construir competências profissionais
transferíveis" para que eles se tornem "especialistas". Mais do
que nunca, como vimos, essa noção tenta levar-nos a uma dimensão dinâmica das
aprendizagens e dos dispositivos que permitam a evolução da pessoa em formação.
ABORDAGENS
CONTRASTADAS
A
partir desse questionamento, os autores deste livro estudam a emergência das
competências no campo educativo por meio de diferentes perspectivas, de acordo
com os enfoques disciplinares e com sua inserção institucional. No entanto,
todos os autores têm uma preocupação em comum: a necessidade de esclarecer as
concordâncias e discordâncias dos fenômenos que as competências identificam e
descrevem nas ciências da educação. Além disso, compartilham outra preocupação:
a convicção de que, sem teoria, os fatos não são evidentes.
Em
função dos objetos de pesquisa escolhidos pelos autores, o leitor se deparará
com uma visão panorâmica das diversas abordagens de pesquisa na área das
ciências da educação. Dessa forma, poderá comparar os fatos de observação
apresentados e as modalidades de enfoque das competências. A aplicação da competência
nos próprios processos da pesquisa, em função desses olhares disciplinares
específicos e dos contextos de referência utilizados, permitirá que o leitor
circunscreva melhor os problemas que a lógica das competências tenta, se não
compreender, pelo menos fazer avançar.
Os
objetos de estudo
A
competência suscita perguntas sobre a maneira como um problema se torna objeto
de atenção e como se constrói no campo das ciências da educação. Para
interrogar a noção de competência, os autores nos conduzem a seus objetos de
estudo privilegiados que, devido à sua variedade, comprovam a amplitude que o
debate sobre essa noção adquiriu nas ciências da educação.
No
domínio escolar, questionam-se as finalidades e o papel da escola, os objetivos
de aprendizagem, os dispositivos de ensino, os princípios didáticos
disciplinares e a avaliação. De maneira mais específica, cada autor se refere a
dados particulares: as práticas de ensino/ aprendizagem da exposição oral
(Bronckart e Dolz), a mobilização dos conhecimentos na escola (Perrenoud), as
práticas de avaliação na área das ciências (Bain), a contribuição das novas
ferramentas e práticas da avaliação no processo de aquisição das competências
(Allal), os programas e planos de estudo na área da matemática (Conne e Brun) e
as mudanças das tarefas no âmbito da matemática (Johsua).
No
âmbito da formação profissional, discutem-se as ações destinadas a públicos
específicos, como a formação de um cozinheiro preso (Durrive) ou a formação
feminina (Ollagnier); a validação das aquisições com dispositivos emergentes
(Ollagnier) e a análise desses dossiês (Ropé); a gestão dos empregados no local
de trabalho (Stroobants), bem como as dimensões didáticas próprias da formação
de adultos (Baudouin).
Três
formas de enfocar a competência
Refletindo
sobre esses objetos de estudo, os trabalhos reunidos neste livro fornecem um
conjunto de procedimentos para abordar a noção de competência. Eles nos ajudam
a entender as condições de introdução dessa noção no âmbito educativo e os
procedimentos escolhidos no estabelecimento de um aparelho conceitual,
independentemente das posições sobre a pertinência ou legitimidade da noção de
competência e de seu status (termo, noção ou conceito operacional inserido em
um modelo teórico). A essa complexidade seremos levados pelo conjunto dos
autores, o qual observamos e classificamos em função de três visões distintas
diante da competência.
A
primeira visão consiste em definir inicialmente a noção e/ou situá-la em um
contexto teórico antes de testá-la. Allal propõe uma definição precisa e
operacional a partir de Gillet (1991), como organização dos saberes em um
sistema funcional. Ela apresenta suas principais dimensões: a rede dos
componentes cognitivos, afetivos, sociais e sensório-motores, bem como sua
aplicação a um grupo de situações e a orientação para uma determinada
finalidade. Por outro lado, a "competência" é definida em
contraposição a outros conceitos, como o de "desempenho", também
retomado na modelação teórica de Allal.
Outros
autores, como Baudoiun, dedicam-se a questionar o lugar da competência em um
modelo teórico renovado na área da didática. Para esse pesquisador, o triângulo
aprendiz-formador-saber é insuficiente, e por isso ele propõe a introdução de
um quarto pólo no qual se situa a atividade, pois a competência incita a
analisar as múltiplas e latentes determinações entre saber formalizado e
atividade.
A
segunda visão está baseada nos problemas e mecanismos do mundo do trabalho, da
formação ou da escola e só enfrenta a noção após esses debates. Assim, a
competência emerge como uma noção que permite discutir e/ou resolver os
problemas sociais, como os da função da escola e da formação de adultos ou os
da gestão de empregos. Essas contribuições se esboçam a partir das
contribuições de Perrenoud e Ollagnier.
Por
fim, a terceira visão consiste em analisar os usos da competência nos
diferentes domínios do trabalho, da escola e da formação. Os autores que adotam
essa perspectiva começam pela constatação de seu uso e dePois analisam as
condições de sua utilização, difusão, transposição e as Múltiplas acepções e
significados que se desenvolvem a partir daí. Este é o caso de Stroobants, Ropé
e de alguns didáticos, como Bronckart e Dolz ou Conne e Brun.
Apesar
dessas diferentes formas de abordar a competência, os autores associam, de modo
explícito ou implícito, a lógica das competências à atividade do aprendiz, às
tarefas a realizar e às açoes situadas em um determinado contexto institucional
de aprendizagem.
Pesquisas
em andamento
Nos
projetos de pesquisa sobre as competências no campo educativo, que métodos de
análise se esboçam?
Em
primeiro lugar, uma parte dos pesquisadores (ver os trabalhos compilados por
Ropé e Tanguy, 1994) adota um procedimento de análise dos discursos públicos
relativos às competências, o que os leva a interrogar o significado do uso
social da noção. Para responder a essa pergunta, eles propõem hipóteses
heurísticas sobre idéias, valores e crenças veiculados pela noção de
competência e pelos interesses que ela representa. As análises sociológicas
e/ou lingüísticas realizadas se destinam a compreender as necessidades e as
contradições subjacentes a essa categoria de pensamento, compartilhada por um
corpo social, em uma esfera de atividade e em uma instituição social em um
determinado momento. Os fatos que são objeto de análise constituem os discursos
produzidos no contexto dessas instituições. Geralmente, esses discursos são
doxológicos (Angenot, 1982), isto é, são os discursos que emanam de opiniões
comuns ou novas que exprimem e difundem as tendências atuais e as ideologias
que se confrontam. Não se trata aqui de fornecer uma legitimidade científica às
noções utilizadas, mas de compreender melhor seu uso e esclarecer os mecanismos
sociais. Ao contrário dos discursos doxológicos, os discursos do saber provêm
do "epistema" e não pretendem, acima de tudo, convencer, porque
remetem à esfera social onde é elaborado o saber erudito ou especializado da
ciência. Admitindo que as ciências da educação tenham atingido um nível de cientificidade
suficiente para fazer parte do epistema, os trabalhos sobre o uso desse termo
podem introduzir um espírito crítico nas questões ideológicas debatidas e
tornar mais claras as relações entre o discurso social e o acadêmico.
Considerando
uma perspectiva semelhante, os didáticos das disciplinas se apossam do modelo
da transposição didática de Chavallard (1985) para analisar nos textos
pedagógicos (programas e planos de estudos) o uso da noçao de competência e a
relação com as definições "acadêmicas" de referência (produzidas
especialmente pela psicologia cognitiva e pela lingüística). O trabalho
proposto não visa apenas a uma vigilância intelectual sobre as noções
utilizadas, mas também à análise epistemológica das transformações das noções
quando elas entram nos sistemas educativos e se tornam objetos de ensino.
Uma
terceira abordagem consiste em avançar na construção abstrata de um corpo de
saberes acadêmicos suficientemente estruturado para compreender os fenômenos
educativos em jogo. Uma parte dos trabalhos reunidos tenta outorgar um status
de conceito a essa noção em compreensão, apresentam uma lista de seus traços
característicos e estabelecem uma classificação em que cada elemento tem o
conjunto das propriedades mencionadas. Para esses autores, é necessário
operacionalizar a noção no âmbito das ciências da educação. Esses trabalhos
propoem uma visão sistemática dos fenômenos educativos estudados, especificando
as relações entre os conceitos observados. A noção de competência é verificada
com relação a outras noções (saber, desempenho, transferência, etc.) e é
utilizada para precisar uma ou várias relações no seio do modelo teórico em
construção.
Esse
mesmo procedimento é utilizado por outros pesquisadores para criticar sua
legitimidade científica, devido à dificuldade de uma definição rigorosa com
relação a um campo de conceitos, seu status epistemológico e a polissemia
resultante de seu uso nos discursos acadêmicos. Embora o centro do debate entre
os diversos autores não se situe fundamentalmente na definição formal, a
elaboração dessa definição é considerada indispensável para um grande número
deles.
Outros
pesquisadores consideram difícil definir a competência; todavia, justificam a
adoção do conceito a partir de uma perspectiva argumentativa que consiste em
estabelecer o interesse heurístico e praxeológico da noção, ainda que, por
vezes, ela assuma um caráter metafórico. De acordo com esses autores, a lógica
das competências é considerada criativa do ponto de vista da pesquisa, pois, ao
se -contrapor a uma centralização exclusiva nos saberes e nas qualificações,
ela é mais capaz de levar a novas integrações reflexivas que permitam
ultrapassar os contextos teóricos iniciais. Assim, eles analisam o papel
funcional da noção: permitir colocar, confrontar e tentar resolver questões
essenciais da educação. Nesse caso, a noção se refere tanto a um campo de problemas
como a um campo conceitual. O pesquisador aparece como um homem de ação,
envolvido nas práticas que analisa, tentando compreendê-las em toda a sua
complexidade a fim de intervir para melhorá-las. Assim, o alcance prático da
dimensão axiológica parece predominar.
Por
fim, um último grupo de pesquisadores propõe estudos empíricos, geralmente
estudos qualitativos de casos provenientes de outras pesquisas mais amplas ou
realizados a partir de uma seleção de dados obtidos em situações de formação,
ensino e/ou avaliação. Trata-se de um campo aberto no âmbito dos estudos
práticos, orientados sobretudo para um paradigma qualitativo que utiliza
diferentes caminhos segundo a natureza dos dados analisados. Em todos os casos,
esses procedimentos se caracterizam por uma tentativa de articulação entre as
ações de formação, de ensino e de avaliação e as condições contextuais e
institucionais de realização. Por outro lado, esse último grupo de pesquisas
busca delimitar seus objetos, caracterizar suas especificidades e dividir e
reconstruir fenômenos isolados, com o objetivo de torná-los inteligíveis.
De
forma global, os procedimentos empiricos que se inserem na lógica das
competências se caracterizam por uma crítica ao reducionismo positivista
aplicado às atividades humanas, uma análise "na prática" das
propriedades das tarefas ou das atividades coletivas a serem aprendidas, bem
como pela análise das necessidades dos aprendizes no domínio prático dessas
atividades. Portanto, os procedimentos qualitativos podem representar uma etapa
útil para o avanço do estudo dos recursos necessários ou disponíveis na
realização de uma atividade, ou um aprofundamento das pesquisas mais amplas
sobre os indicadores das competências. No entanto, os autores articulam de
maneira diferente as práticas de intervenção e pesquisa; alguns deles adotam
posições próximas da pesquisa/ação ou observação participante, tentando
construir saberes em estreita interação com os profissionais; já outros
estabelecem uma nítida distinção entre as práticas de pesquisa e as de
intervenção, buscando critérios de validação científica para as primeiras.
Em
suma, constatamos que os pesquisadores não utilizam a mesma abordagem
conceitual e metodológica. Para uma grande parte deles, ela ainda parece estar
em processo de construção. Entretanto, as perguntas sobre a lógica das
competências, os projetos de pesquisa anunciados ou em curso, o esforço de
construção de procedimentos de observação e de técnicas de análise de dados nos
parecem constituir sinais promissores. Emerge um certo número de caminhos,
sobretudo no que se refere à análise dos textos pedgógicos, à validação das
aquisições e às práticas institucionais de formação, ensino e avaliação. Todas
as pesquisas estão impregnadas de uma preocupaçao pela análise "em contexto",
preocupação esta que abrange tanto o discurso e o sujeito aprendiz como as
práticas educativas e que também atravessa o conjunto das pesquisas. As
variáveis contextuais também são consideradas importantes na análise das
instituições educativas e na avaliação dos aprendizes. Para poder integrá-las a
modelos teóricos, os pesquisadores exploram as variáveis contextuais na
complexidade da ação. Portanto, é possível dizer que os autores desta obra
optam prioritariamente por procedimentos qualitativos a fim de apreender o
enigma da competência.
As
referências disciplinares e a inserção institucional
Com
o intuito de questionar a noção de competência no âmbito educativo, a maioria
dos autores deste livro baseia sua argumentação em conceitos e procedimentos
que provêm de outras disciplinas, fora do âmbito das ciências da educação.
Todos
eles parecem concordar em outorgar uma dimensão dinâmica, ativa e localizada à
noção de competência, às referências às teorias da ação, aos modelos
socioconstrutivistas da aprendizagem e aos modelos teóricos sobre o trabalho,
provenientes da sociologia do trabalho e da ergonomia. Isso pode levar-nos a
pensar que, para definir, compreender e dominar a competência na educação, o
desvio ou a abordagem integrativa é indispensável.
Por
outro lado, a própria natureza da noção de competência marca o "retorno do
indivíduo" a certas disciplinas, o que leva um certo número de autores a
explorá-la em função de referenciais teóricos da psicologia cognitiva. A
competência nos encaminha à complexidade do funcionamento dos mecanismos
cognitivos e, portanto, relativos às ciências da linguagem e à psicologia
cognitiva. Além disso, nesse caso, o desvio parece pertinente. A competência é
observada aqui através de sua função cognitiva.
No
seio das ciências da educação, cada autor se refere essencialmente a campos que
domina e conhece profundamente. Contudo, a vontade de se inserir e/ou se
referir a um campo disciplinar constituído-o que permitiria distinguir os
mecanismos ligados às atividades educativas, formativas e profissionais dos
mecanismos de sua análise científica (Hofstetter e Schneuwly, 1998) - está
muito pre ' sente. A psicologia da educação, as didáticas das disciplinas, do
francês, da matemática, das ciências e da formação de adultos, a docimologia, a
educação de adultos e a sociologia dos currículos e da formação profissional
oferecem bases específicas que permitem questionar, definir ou situar a noção
de competência e as práticas inerentes a ela na área da educação nos dias de
hoje. Assim, o lugar da competência está situado claramente em um debate
disciplinar que provoca sérios confrontos com base em fatos empíricos
analisados e em fenômenos educativos que se tenta tornar inteligíveis.
Desse
modo, a competência parece ocupar um lugar em todos os domínios das ciências da
educação. isso nos remete à "aposta das ciências da educação", cujo
processo de disciplinaridade - em curso - baseia-se especialmente em uma
pluridisciplinaridade constitutiva (Hofstetter e Schneuwly, 1998). Desse ponto
de vista, consideramos a competência como um catalisador nesse processo. Por
outra perspectiva, a necessidade de realizar desvios por meio de referenciais
externos é intrigante. Não se questiona a utilidade que isso representa, mas a
maneira como essa noção clarificada em um campo científico se torna caótica na
aplicação desses referenciais a nosso campo disciplinar. A noção de competência
se encontra em uma encruzilhada de disciplinas das ciências humanas e sociais,
como demonstram os autores desta obra. No entanto, a apropriação dessa noção
como conceito que pode tornar-se específico para as ciências da educação e
analisado como tal continua sendo polêmica. Embora seja um catalisador, ela
também é um revelador do estado provisório da base científica da reflexão. A
transposição de uma disciplina para outra e de um domínio para o outro provoca
alguns problemas. Por exemplo, a passagem do mundo econômico e do trabalho para
o mundo da formação e, posteriormente, para o mundo escolar, provoca
conseqüências no sentido a ser dado às competências e na forma de percebê-las
como uma dedução linear em matéria de pesquisa. Um conceito proveniente de um
determinado contexto teórico muda de significado quando é integrado a outro
aparelho conceitual.
As
fontes disciplinares múltiplas, os pontos de interseção dessas disciplinas e as
apropriações específicas de cada domínio das ciências da educação são elementos
que tendem a fazer aceitar a noção de competência em toda a sua variabilidade.
O mesmo acontece com a variabilidade dos contextos institucionais em que se
inserem a noção de competência e seus usos.
Recordemos
que a imbricação dos terrenos tem relação com a construção da pesquisa e a
forma de sua restituição. A inserção social e profissional dos pesquisadores em
instituições diversas e a vontade explícita, em um certo número de casos, de
intervir nos terrenos analisados também condicionam suas posições. O
envolvimento do pesquisador em um contexto profissional determinado faz com que
transpareça uma influência. Em primeiro lugar, as finalidades das estruturas
formativas e as pressões sociais dos sistemas educativos condicionam a maneira
como se trata a competência. Por exemplo, as limitações de uma ação de formação
no universo carcerário são muito diferentes das de uma prática inovadora de
avaliação formativa no contexto da sala de aula. Os pesquisadores e
pesquisadoras são confrontados com domínios e saberes profissionais que não são
os mesmos, e que, embora a noção de competência continue sendo um catalisador,
ela pode ser tratada de forma diferente, pois as necessidades e os recursos
mobilizados não são os mesmos. Por fim, é importante destacar o papel dos
níveis básicos da pesquisa, os quais envolvem o aprendiz, o formador, o sistema
educativo, ou ainda a modelação teórica do campo disciplinar, para não correr o
risco de provocar confusões. A inserção em terrenos de pesquisa provocará
efeitos, como se sabe, tanto nas práticas analisadas como nas representações
dos atores e dos pesquisadores envolvidos.
Convergências
e divergências nas tomadas de posição
Levando
em conta a problematização da obra que se predispõe a to~ madas de posição
sobre a noção de competência como necessidade ou moda educativa, todos os
autores debateram amplamente sua legitimidade e pertinência. Na verdade, nenhum
deles a considerou apenas como um efeito da moda. Todos eles analisam a lógica
das competências naquilo que ela produz e/ou induz, tanto no plano
epistemológico como funcional para as ciências da educação. Entretanto, as tomadas
de posição divergem quanto à necessidade da noção.
De
acordo com alguns autores, a argumentação reside nas perspectivas da noção
diante das modelações teóricas e dos problemas práticos que ela ajuda a
compreender. Essa linha de argumentação está centrada na ação do aprendiz como
indivíduo social, na passagem de uma lógica de restituição para uma lógica de
compreensão, na possibilidade de dar conta da riqueza do "trabalho
vivo" na formação ou, ainda, na constituição de uma rede de recursos, como
alternativa à pedagogia por objetivos, ou na sua mobilização nas tarefas
educativas. Outros insistem na flexibilidade da noção e denunciam sua
utilização, mostrando que ela não representa uma alternativa intelectual a
outras noções. Assim, seu uso é considerado como uma estratégia para afastar o
sistema de qualificação, para desregulamentar a escola pública, para limitar o
peso da transmissão do saber ou, ainda, para transformar o sistema de avaliação
de conhecimentos. Com freqüênclã, as posiçoes epistemológicas dos autores que
adotam uma posição crítica estão relacionadas a posições ideológicas, baseadas
nas realidades sociais observáveis. Por exemplo, as discriminações com relação
às mulheres na área de formação são atenuadas ou reforçadas pelas práticas de
avaliação das competências? Sob esse ponto de vista, a clareza dos referenciais
de competências existentes é questionada, assim como a autonomia direta dos
aprendizes. Infalivelmente, a noção de competência nos confronta com os riscos
que ela envolve, tanto no plano das práticas educativas como no nível
conceitual.
Os
pontos de vista dos autores também permitem entrever certos diálogos entre seus
escritos. Este é o caso de Bronckart e Dolz, que adotam o princípio de um risco
epistemológico, e de Allal e Perrenoud, que concordam sobre a utilidade da
noção de competência. Por outra ótica, embora esses dois últimos estejam de
acordo quanto à sua necessidade, eles divergem em relação ao que há de
subjacente a ela. Outro exemplo de diálogo é o que se esboça entre Durrive, que
defende o princípio de que a competência permite que a ação educativa se baseie
no inédito e no trabalho vivo, e Conne e Brun, que mostram que as competências
dificilmente podem dar conta da atividade de filiações e rupturas entre
conhecimentos na prática, savoir-faire e conteúdos. Além disso, Percebemos que
a distincâo entre competência e capacidade não coincide em Allal e Bronckart e
Dolz.
Com
argumentos favoráveis à noção, a seu sentido no plano conceitual e nas práticas
pedagógicas, ou com uma argumentação crítica, todos os autores concordam em um
ponto: a competência nos confronta com um conjunto de paradoxos, tanto
conceituais como práticos. A riqueza dos debates reside na evidente dificuldade
de clarificar o que poderia tornar-se um conceito circunscrito e reconhecido
pela pedagogia e pelos seus campos de prática. Os paradoxos são inerentes às
potenciais evoluções terminológicas e conceituais: competência, capacidade,
mobilização, condutas, desempenhos, etc., e ao questionamento dos princípios e
das práticas pedagógicas que interessam às ciências da educação e que elas
analisam há bastante tempo. No entanto, nenhum autor arrisca contrapor a noção
de saber à de competência. Ainda que uma grande parte dos autores integre o
saber como um recurso da competência e discuta o lugar das dimensões
metacognitivas e da relação com o saber, só uma parte deles adota as noções de
competência "transversal" e "transferível".
Em
resumo, por aquilo que a competência significa no campo educativo, ela acaba
com referenciais estabelecidos e validados. Tanto na área da didática como na
da avaliação, em situação escolar e na formação de adultos, ela fragiliza os
princípios estabelecidos, como os autores demonstram. Na concepção deles, a
lógica das competências é um indicador de mudança nos sistemas educativos, bem
como um revelador de uma evolução dos conceitos epistemológicos. Para as
práticas educativas, condicionadas por opções políticas, não é mais possível
considerar a escola e as instituiçoes de formação como sistemas isolados. As
pressões de ambientes políticos e econômicos externos que adotaram a lógica das
competências em sua realidade e na avaliação de suas prestações obrigam a
escola e a formação a acompanhar esse movimento. Ele representa, em si mesmo,
um importante objeto de discussão. Por outro lado, as concepções pedocêntricas
provenientes da Nova Escola se unem, em nome da mudança, a um certo número de
princípios da lógica das competências, como aquele que se refere a compreender
na ação e levar em conta as aquisições do aprendiz. Do ponto de vista
epistemológico, a lógica das competências dá maior importância à análise das
atividades coletivas prévias, leva em consideração sua complexidade e o peso
dos mecanismos de avaliação social e do contexto. Trata-se de uma lógica
promovida por numerosos pesquisadores que se referem ao paradigma
sociocultural, às teorias da ação ou àquelas que se inserem nas correntes da
"cognição situada" ou da "resolução de problemas".
Paradoxalmente, as principais reservas também provêm de autores que pertencem
aos mesmos contextos teóricos.
ORGANIZAÇÃO
DA OBRA
Dividimos
as contribuições dos autores em três partes. Ao contrário das necessidades de
mudança às quais nos leva a noção de competência, a organização dessas
contribuições continua sendo clássica. Hesitamos entre essa escolha e a opção
que teria dado maior visibilidade a temáticas (abordadas anteriormente), como a
dos procedimentos de pesquisa ou de avaliação. De fato, consideramos que a
avaliação é uma problemática que atravessa o conjunto das contribuições
organizadas de modo prioritário conforme as definições, a situação escolar e a
formação profissional.
Na
primeira parte, à guisa de abertura, pesquisadores provenientes de diferentes
horizontes abordam os problemas provocados pela definição de competência e pela
propagação de seu uso nas ciências da educação. As múltiplas tentativas de
esclarecimento e de redefinição estudadas servem de base para uma discussão,
retomada no conjunto da obra, sobre a pertinencia do uso da noção, o
significado de sua propagação nos ambientes escolares e de formação de adultos,
assim como sobre as atuais apostas das práticas desenvolvidas no campo do
trabalho sob o signo da competência.
A
contribuição de Jean-Paul Bronckart e Joaquim Dolz se inicia com uma análise
das origens e do status epistemológico da competência no mundo da educação. Os
autores discutem a pertinência dessa noção e da lógica subjacente no que se
refere ao estudo da aprendizagem das ações de linguagem. Propõem uma alternativa,
ilustrada por uma pesquisa em curso sobre a exposição oral em francês. A partir
de uma discussão sobre a questão da transferência dos conhecimentos, Philippe
Perrenoud analisa as implicações sociológicas da noção de competência, que ele
prefere associar à metáfora da mobilização dos recursos cognitivos. Ele aborda
os desafios da mobilização dos conhecimentos como uma possibilidade de
democratização dos estudos e inicia um debate teórico sobre a fecundidade dessa
metáfora, tanto no campo do trabalho como no da formação profissional ou
escolar. Como socióloga do trabalho, Marcelle Stroobants defende a hipótese de
que a promoção das competências constitui uma forma estratégica de enfraquecer
os sistemas de qualificação. Ela insiste, por meio de diferentes pesquisas
realizadas em empresas, nos limites de sua construção conceitual e social, que
apenas reforçam a individualização dos reconhecimentos profissionais em
detrimento de sistemas coletivos negociados.
Na
segunda parte, foram reunidas as contribuições dos pesquisadores que trabalham
no campo da aprendizagem e/ou do ensino em situação escolar. A emergência do
termo competência na reescrita dos planos de estudo é analisada como um
indicador de mudanças nas finalidades perseguidas pela escola ou nas concepções
da aprendizagem. A competência é descrita e discutida como uma nova noção para
definir os objetos e as formas de ensino e avaliação.
Situando-se
no contexto dos trabalhos sobre a "cognição situada" e dos
procedimentos de "resolução de problemas", Linda Allal apresenta as
noções de competência e capacidade como "descritores" dos desempenhos
observados em uma família de situações de ensino/aprendizagem e de avaliação.
As novas ferramentas e estratégias de avaliação formativa, sobretudo a constituição
de portfólios, são analisadas como formas de validação e consolidação das
competências dos alunos. François Conne e Jean Brun, didáticos da matemática,
analisam a noção de competência como "revelador" dos processos de
transposição didática nos programas e nos manuais escolares da Suíça
francófona. Para esses autores, a introdução do referido termo parece um sinal
de mudança de concepção do ensino da matemática, que reconhece o papel dos
conhecimentos prévios dos alunos e sua atualização na realização das tarefas
propostas. O objetivo dessa contribuição ultrapassa a simples descrição das
transposições operadas pelas instituições escolares, mas tenta compreender e
discutir os riscos introduzidos pelas mudanças observadas. Samuel Johsua,
didático das ciências e da matemática, formula a hipótese de que "a visão
das competências" é uma tentativa de resposta às novas exigências dos
sistemas educativos que propõem a passagem de uma lógica da restituição"
para uma "lógica da compreensão". O autor analisa os paradoxos, a
flexibilidade e a ambigüidade dessa mudança nos novos programas. Por fim, o
aporte de Daniel Bain começa com uma crítica às pesquisas internacionais sobre
as competências. Essa crítica tem relação com a defasagem existente entre as
definições da noção, as dimensões a serem avaliadas e os testes utilizados
nesse tipo de pesquisas. O autor atua por meio de um movimento inverso:
"Digame como avalia as competências e lhe direi como você efetivamente as
define"; analisa qualitativamente, no contexto de uma observação
participante, as práticas emergentes de avaliação dos professores de biologia e
física, centradas na aquisição de um procedimento científico, para abordar a
problemática das competências de ação, em toda a sua complexidade.
Por
fim, a terceira parte se dedica aos trabalhos no âmbito da formação
profissional, nos quais os usos dessa noção se disseminaram amplamente. Vários
estudos se referem à análise de ações concretas de formação relacionadas a
situações de trabalho. As modelações da competência propostas buscam obter uma
melhor compreensão da complexidade do encontro entre o adulto aprendiz e o
ambiente de trabalho, bem como uma análise dos recursos de aprendizagem
envolvidos na execução das atividades e das tarefas profissionais.
Baseando-se
no modelo do triângulo didático, Jean-Michel Baudouin propõe uma nova
conceituação didática da formação, introduzindo um quarto pólo que visa à
atividade, enriquecida e renovada pelas pesquisas sobre a competência. Essa
modelação didática faz com que se examine com um novo olhar os vínculos
dialéticos entre saber e atividade nos dispositivos de formação. Por meio da
abordagem ergológica baseada nas situações de trabalho reais, consideradas
indispensáveis para a concepção e para o desenvolvimento das aprendizagens,
Louis Durrive explora os enigi-nas da competência por meio da análise de uma
ação inovadora de formação específica em uma prisão. A análise do
funcionamento-padrão da situação de trabalho precede a análise de uma seqüência
temporal explorada na formação e desemboca na hierarquização das competências
atualizadas na ação por um estagiário. A partir da evolução da educação de
adultos e das lógicas de construções pedagógicas das ações de formação, Edmée
Ollagnier apresenta quatro estudos de caso: três dispositivos destinados à
inserção de mulheres e desempregados no mercado de trabalho e a aplicação de um
sistema de validação das aquisições na universidade. Por meio desse viés, ela
mostra como a noção de competência constitui, ao mesmo tempo, um trunfo para os
sistemas educativos e um perigo tanto para os aprendizes como para os atores
responsáveis pelas ações de formação. Aplicando seus estudos sobre o uso da
noção de competência, Françoise Ropé nos introduz, partindo de uma descrição
das práticas, nas características da validação das aquisições. A autora nos
mostra como essas novas práticas introduzem, por intermédio de seu objetivo
legal, um valor para a experiência profissional nos diplomas e como os atores
se posicionam perante esse estado de fato. Ela ainda insiste na ambigüidade
desses dispositivos, centrados nos savoir-faire na açâo, mas que, de fato,
avaliam por meio dos textos produzidos pelos candidatos as capacidades
tradicionalmente requeridas pela escola.
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