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quarta-feira, 15 de junho de 2016

A noção de competência:necessidade ou moda pedagógica?




Joaquim Dolz e Edmée Ollagnier

 
A EMERGÊNCIA DA LÓGICA DAS
COMPETÊNCIAS NAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

 
Em um artigo de 1966, com o provocador título "A irresistível ascensão do termo 'competência' na educação", Marc Romainville analisava a emergencia da palavra "competência" em documentos oficiais. O termo "competência" se insere no hit parade das apelações pedagógicas. É um daqueles termos que foram impostos subitamente em um determinado campo, mas que, sem dúvida, exigem uma análise mais profunda de sua origem e do motivo de seu sucesso. No entanto, a noção de competência nas ciências da educação provoca, com freqüência, incertezas léxicas e controvérsias, devido à dificuldade de identificar claramente os fenômenos que ela tenta objetivar. Ela faz parte daquelas noções cujas definições só podem ser apreendidas por meio da evolução das tendências educativas e de pesquisa que a utilizam e que devem servir de referencial para esclarecer os diversos sentidos a ela atribuídos.
O objetivo desta obra é contribuir com a compreensão dessa noção, questionando seus usos tanto nos textos pedagógicos, sobretudo nos programas e currículos escolares, como no domínio da formação profissional e contínua. Ao iniciar o debate sobre o status de uma noção emergente e controvertida e ao comparar os diversos trabalhos sobre a questão, a série Razões educativas interpela os pesquisadores na área das ciências da educação. Tal noção questiona a pertinência e a legitimidade dos saberes conceituais elaborados, as concordâncias/discordâncias dos fenômenos que esses saberes identificam e explicam, assim como o próprio método pelo qual os saberes são construídos. Em suma, ela questiona a própria influência que o contexto socioeconômico e as limitações dos sistemas institucionais de formação exercem sobre a elaboração desses saberes.

 
O que é a competência?
Todos que pertencem ao mundo das ciências da educação debatem a noção de competência; porém os usos dessa noção não facilitam sua definição. A dificuldade de defini-Ia aumenta com a necessidade de utilizá-la. Embora a competência tenha-se tornado uma noção midiática, ela não representa para todos os autores um conceito operacional.
Para compreender melhor por que essa noção se tornou tão atraente a partir dos anos de 1970 no mundo do trabalho, da formação e da escola, parece-nos necessária uma análise histórica. A origem da noção, as causas da facilidade de seu sucesso e o sentido que progressivamente lhe foi atribuído merecem ser estudados. Por que se prefere essa noção em vez das noçoes de capacidade, conhecimento, savoir-faire, aptidão ou potencialidade?
Em uma primeira acepção bastante geral, a noção de competência designa a capacidade de produzir uma conduta em um determinado domínio. Há mais de um século, ela está presente em trabalhos do âmbito da psicologia. No entanto, só se tornou objeto de um debate científico quando Noam Chomsky, no contexto da lingüística gerativa, passou a utilizar sistematicamente a oposição competência/desempenho. Para esse autor, a competência sugere aquilo que o sujeito pode realizar idealmente, graças a seu potencial biológico, enquanto o desempenho está relacionado com o comportamento observável que não passa de um reflexo imperfeito da primeira. Por analogia a esse último uso, essas duas noções começaram a se destacar.
A emergência da noção de competência na área da educação evidencia mudanças epistemológicas. Ela remete à noção de construção interna, ao poder e ao desejo de que o indivíduo dispõe para desenvolver o que lhe pertence como "ator", "diferente" e "autônomo". Essa noção se insere perfeitamente bem em um reforço das concepções cognitivistas. Todavia, é possível que seja integrada aos trabalhos que se referem ao paradigma sociocultural?
No domínio do trabalho, a competência caracteriza as dimensões potenciais ou efetivas dos trabalhadores de agir eficazmente em função das exigências das empresas. Com a noção de competência, definem-se os saberes experienciais necessários ao trabalho, os quais permitem que os sujeitos resolvam os problemas que surgem na vida profissional. Portanto, quando se coloca em primeiro plano as práticas que apelam à competência, percebe-se uma espécie de desvalorização dos saberes acadêmicos ou especializados, bem como uma vontade de manter os empregados em um status de simples executantes.
A noção de competência também pode ser analisada como resultado de uma evolução das mentalidades pedagógicas. Resta compreender a transformação das idéias pedagógicas que ela implica, ou seja, sua relação com o movimento da escola ativa (pedocentrismo, princípio de atividade, desenvolvimento dos procedimentos do pensamento). Atualmente, o que chama nossa atenção é a comprovação de sua extensão nos programas e currículos escolares.
Em suma, por ser exageradamente utilizado, o termo competência passou a provocar numerosas confusões. Por exemplo, diz-se que o fato de ter conhecimentos, técnicas ou capacidades de gestão não significa ser competente. Além disso, fala-se em "mobilizar competências", no entanto, ao mesmo tempo, afirma-se que a competência não reside nos recursos, mas na mobilização desses recursos. Por outro lado, ela é considerada "saber integrador no contexto da ação", porque insiste nas condições de aplicação e em sua natureza combinatória. Esses novos significados mudam o sentido inicial da noção de competência elaborada por Chomsky. Logo, como poderíamos chegar a uma definição operacional?

 
As competências nos programas e currículos escolares
Hoje em dia, é possível analisar concretamente a forma como as competências são apresentadas nos documentos oficiais. O uso dessa noção provoca mudanças que devem ser analisadas com relação aos antigos programas escolares. Será que existe em tais documentos um sentido geral da noção de competência? Atualmente, podemos estabelecer um certo número de indicadores explícitos nos referenciais de competências e a forma de hierarquizá-los. As relações com as expectativas do ambiente socioeconômico, com os saberes disciplinares, com as etapas de desenvolvimento dos comportamentos do aprendiz e com os métodos de organização do trabalho podem ser estudadas nesses referenciais; por outro lado, chama nossa atenção o lugar atribuído às denominadas competências transversais ou coletivas. Somado a isso, é possível captar o status das competências por meio das propostas de avaliação. Podemos dizer que, com a "lógica da competência", as formas de sociabilidade e de socialização escolares se transformaram?
A partir de uma aprendizagem centrada nas matérias (na qual os saberes são acentuados), a pedagogia norteada pelas competências define as ações que o aluno deve ser capaz de realizar depois da aprendizagem. Alguns consideram que a lógica do ensino das disciplinas está a serviço dessas ações; porém outros afirmam que ela representa um entrave por tornar as aprendizagens mais rígidas. Também são suscitadas questões sobre as complexas relações entre a lógica do ensino das disciplinas e a lógica da competência associada à aquisição de uma especialização complexa, transversal e exportável para fora do campo escolar. Quando os novos currículos insistem nas novas experiências e em modos de trabalho "na prática", sem fornecer os saberes formais correspondentes, os discursos sobre a mobilização da competência podem levar, de forma paradoxal, a seu empobrecimento. Por outro lado, a lógica da competência tem o mérito de lembrar que a apropriação dos saberes formalizados não é suficiente para prejulgar ações eficazes. Como é que as didáticas das disciplinas encaram essa problemática? Aqui também surge o problema da avaliação: as competências podem ser captadas por meio da análise das práticas da avaliação.

 
As competências na encruzilhada da formação profissional
O uso da noção de competência no mundo da educação também é feito por meio da formação profissional. Por isso se tenta defini-Ia relacionando-a a um vocabulário habitualmente utilizado no mundo do trabalho. A linguagem "econômica" está muito presente: a competência reside em uma certa eficiência, em um desempenho na ação. É como se o termo competência se situasse em um determinado nível de complexidade que permitiria ultrapassar as noções de capacidade, qualificação, savoir-faire, etc., integrando-as todas, ter certos conhecimentos, teóricos ou práticos; ter a capacidade de mobilizar alguns saberes, alguns recursos na ação; ter uma representação correta da situação, de seus desempenhos ... ; tudo isso permitiria a construção de competências.
Nos discursos do mundo do trabalho, o apelo às competências questiona as profissões, os saberes profissionais e o conteúdo das atividades em prol das funções ditas transversais. Não obstante, alguns autores, como Dugué (1994, p.273), afirmam o seguinte:

 
A lógica da competência, imposta sob o pretexto de permitir que as empresas se adaptem mais rapidamente, tende cada vez mais a destruir as formas de sociabilidade que existiam entre os funcionários, construindo a ilusão de que existe um consenso entre indivíduos diferenciados e concorrentes.

 
Essa constatação nos leva a questionar as opções ideológicas subjacentes à noção de competência. A compreensão da relação entre o ser humano e a atividade por meio das competências supera o interesse tradicional estrito pelos conteúdos específicos da própria atividade e de seus saberes. Quais são as conseqüências dessas mudanças nos ambientes de trabalho?
Essas mudanças repercutem no campo da formação. Nesse contexto, o interesse por essa noção remete ao fato de que ela permite pensar nos vínculos existentes entre as instituições educativas e o mundo do trabalho, entre os saberes escolares e os saberes "vivos", uma vez que ela leva em consideração a evolução do mundo econômico. A problemática das competências representa uma verdadeira virada na maneira de pensar a preparação das novas gerações a fim de que elas sejam mais eficazes para enfrentar as dificuldades da vida e da sociedade. Entretanto, essa maneira de pensar pode criar a ilusão, nas instituições educativas, de que elas se abriram de forma eficaz para a cidadania, de que levam em conta a pessoa e seu futuro em suas aprendizagens.
No caso da educação de adultos, a noção de competência está presente explícita e tacitamente; porém continua sendo um "enigma". O reconhecimento de sua operacionalidade e o domínio de sua compreensão epistemológica parecem modificar os princípios estabelecidos nesse campo. Segundo a definição de Le Boterf (1994), a competência se encontra na encruzilhada entre a formação profissional, a situação de formação e a biografia do indivíduo. Os saberes mobilizados na ação ultrapassam a habitual separação entre saberes didáticos, pedagógicos e experienciais. Para os formadores, essa maneira de repensar e reorganizar os dispositivos dá lugar ao uso de recursos na atividade. Essa realidade questiona suas próprias funções e competências. Os formadores se baseiam na exploração dos espaços de formação externos a seu contexto de referência habitual para exercer sua futura missão. Nesse caso, é preciso redefinir as profissões da formação de adultos e extrair as conseqüências sobre os dispositivos de formação de formadores?
Atualmente as formações superiores estão mudando: criação de escolas de alto nível, maior envolvimento da universidade na formação profissional. Generaliza-se o campo criado em torno da noção de competência. Fala-se, por exemplo, das novas formaçoes iniciais dos professores, de "profissionalizar o ofício de professor", de "construir competências profissionais transferíveis" para que eles se tornem "especialistas". Mais do que nunca, como vimos, essa noção tenta levar-nos a uma dimensão dinâmica das aprendizagens e dos dispositivos que permitam a evolução da pessoa em formação.

 
ABORDAGENS CONTRASTADAS
A partir desse questionamento, os autores deste livro estudam a emergência das competências no campo educativo por meio de diferentes perspectivas, de acordo com os enfoques disciplinares e com sua inserção institucional. No entanto, todos os autores têm uma preocupação em comum: a necessidade de esclarecer as concordâncias e discordâncias dos fenômenos que as competências identificam e descrevem nas ciências da educação. Além disso, compartilham outra preocupação: a convicção de que, sem teoria, os fatos não são evidentes.
Em função dos objetos de pesquisa escolhidos pelos autores, o leitor se deparará com uma visão panorâmica das diversas abordagens de pesquisa na área das ciências da educação. Dessa forma, poderá comparar os fatos de observação apresentados e as modalidades de enfoque das competências. A aplicação da competência nos próprios processos da pesquisa, em função desses olhares disciplinares específicos e dos contextos de referência utilizados, permitirá que o leitor circunscreva melhor os problemas que a lógica das competências tenta, se não compreender, pelo menos fazer avançar.

 
Os objetos de estudo
A competência suscita perguntas sobre a maneira como um problema se torna objeto de atenção e como se constrói no campo das ciências da educação. Para interrogar a noção de competência, os autores nos conduzem a seus objetos de estudo privilegiados que, devido à sua variedade, comprovam a amplitude que o debate sobre essa noção adquiriu nas ciências da educação.
No domínio escolar, questionam-se as finalidades e o papel da escola, os objetivos de aprendizagem, os dispositivos de ensino, os princípios didáticos disciplinares e a avaliação. De maneira mais específica, cada autor se refere a dados particulares: as práticas de ensino/ aprendizagem da exposição oral (Bronckart e Dolz), a mobilização dos conhecimentos na escola (Perrenoud), as práticas de avaliação na área das ciências (Bain), a contribuição das novas ferramentas e práticas da avaliação no processo de aquisição das competências (Allal), os programas e planos de estudo na área da matemática (Conne e Brun) e as mudanças das tarefas no âmbito da matemática (Johsua).
No âmbito da formação profissional, discutem-se as ações destinadas a públicos específicos, como a formação de um cozinheiro preso (Durrive) ou a formação feminina (Ollagnier); a validação das aquisições com dispositivos emergentes (Ollagnier) e a análise desses dossiês (Ropé); a gestão dos empregados no local de trabalho (Stroobants), bem como as dimensões didáticas próprias da formação de adultos (Baudouin).

 
Três formas de enfocar a competência
Refletindo sobre esses objetos de estudo, os trabalhos reunidos neste livro fornecem um conjunto de procedimentos para abordar a noção de competência. Eles nos ajudam a entender as condições de introdução dessa noção no âmbito educativo e os procedimentos escolhidos no estabelecimento de um aparelho conceitual, independentemente das posições sobre a pertinência ou legitimidade da noção de competência e de seu status (termo, noção ou conceito operacional inserido em um modelo teórico). A essa complexidade seremos levados pelo conjunto dos autores, o qual observamos e classificamos em função de três visões distintas diante da competência.
A primeira visão consiste em definir inicialmente a noção e/ou situá-la em um contexto teórico antes de testá-la. Allal propõe uma definição precisa e operacional a partir de Gillet (1991), como organização dos saberes em um sistema funcional. Ela apresenta suas principais dimensões: a rede dos componentes cognitivos, afetivos, sociais e sensório-motores, bem como sua aplicação a um grupo de situações e a orientação para uma determinada finalidade. Por outro lado, a "competência" é definida em contraposição a outros conceitos, como o de "desempenho", também retomado na modelação teórica de Allal.
Outros autores, como Baudoiun, dedicam-se a questionar o lugar da competência em um modelo teórico renovado na área da didática. Para esse pesquisador, o triângulo aprendiz-formador-saber é insuficiente, e por isso ele propõe a introdução de um quarto pólo no qual se situa a atividade, pois a competência incita a analisar as múltiplas e latentes determinações entre saber formalizado e atividade.
A segunda visão está baseada nos problemas e mecanismos do mundo do trabalho, da formação ou da escola e só enfrenta a noção após esses debates. Assim, a competência emerge como uma noção que permite discutir e/ou resolver os problemas sociais, como os da função da escola e da formação de adultos ou os da gestão de empregos. Essas contribuições se esboçam a partir das contribuições de Perrenoud e Ollagnier.
Por fim, a terceira visão consiste em analisar os usos da competência nos diferentes domínios do trabalho, da escola e da formação. Os autores que adotam essa perspectiva começam pela constatação de seu uso e dePois analisam as condições de sua utilização, difusão, transposição e as Múltiplas acepções e significados que se desenvolvem a partir daí. Este é o caso de Stroobants, Ropé e de alguns didáticos, como Bronckart e Dolz ou Conne e Brun.
Apesar dessas diferentes formas de abordar a competência, os autores associam, de modo explícito ou implícito, a lógica das competências à atividade do aprendiz, às tarefas a realizar e às açoes situadas em um determinado contexto institucional de aprendizagem.

 
Pesquisas em andamento
Nos projetos de pesquisa sobre as competências no campo educativo, que métodos de análise se esboçam?
Em primeiro lugar, uma parte dos pesquisadores (ver os trabalhos compilados por Ropé e Tanguy, 1994) adota um procedimento de análise dos discursos públicos relativos às competências, o que os leva a interrogar o significado do uso social da noção. Para responder a essa pergunta, eles propõem hipóteses heurísticas sobre idéias, valores e crenças veiculados pela noção de competência e pelos interesses que ela representa. As análises sociológicas e/ou lingüísticas realizadas se destinam a compreender as necessidades e as contradições subjacentes a essa categoria de pensamento, compartilhada por um corpo social, em uma esfera de atividade e em uma instituição social em um determinado momento. Os fatos que são objeto de análise constituem os discursos produzidos no contexto dessas instituições. Geralmente, esses discursos são doxológicos (Angenot, 1982), isto é, são os discursos que emanam de opiniões comuns ou novas que exprimem e difundem as tendências atuais e as ideologias que se confrontam. Não se trata aqui de fornecer uma legitimidade científica às noções utilizadas, mas de compreender melhor seu uso e esclarecer os mecanismos sociais. Ao contrário dos discursos doxológicos, os discursos do saber provêm do "epistema" e não pretendem, acima de tudo, convencer, porque remetem à esfera social onde é elaborado o saber erudito ou especializado da ciência. Admitindo que as ciências da educação tenham atingido um nível de cientificidade suficiente para fazer parte do epistema, os trabalhos sobre o uso desse termo podem introduzir um espírito crítico nas questões ideológicas debatidas e tornar mais claras as relações entre o discurso social e o acadêmico.
Considerando uma perspectiva semelhante, os didáticos das disciplinas se apossam do modelo da transposição didática de Chavallard (1985) para analisar nos textos pedagógicos (programas e planos de estudos) o uso da noçao de competência e a relação com as definições "acadêmicas" de referência (produzidas especialmente pela psicologia cognitiva e pela lingüística). O trabalho proposto não visa apenas a uma vigilância intelectual sobre as noções utilizadas, mas também à análise epistemológica das transformações das noções quando elas entram nos sistemas educativos e se tornam objetos de ensino.
Uma terceira abordagem consiste em avançar na construção abstrata de um corpo de saberes acadêmicos suficientemente estruturado para compreender os fenômenos educativos em jogo. Uma parte dos trabalhos reunidos tenta outorgar um status de conceito a essa noção em compreensão, apresentam uma lista de seus traços característicos e estabelecem uma classificação em que cada elemento tem o conjunto das propriedades mencionadas. Para esses autores, é necessário operacionalizar a noção no âmbito das ciências da educação. Esses trabalhos propoem uma visão sistemática dos fenômenos educativos estudados, especificando as relações entre os conceitos observados. A noção de competência é verificada com relação a outras noções (saber, desempenho, transferência, etc.) e é utilizada para precisar uma ou várias relações no seio do modelo teórico em construção.
Esse mesmo procedimento é utilizado por outros pesquisadores para criticar sua legitimidade científica, devido à dificuldade de uma definição rigorosa com relação a um campo de conceitos, seu status epistemológico e a polissemia resultante de seu uso nos discursos acadêmicos. Embora o centro do debate entre os diversos autores não se situe fundamentalmente na definição formal, a elaboração dessa definição é considerada indispensável para um grande número deles.
Outros pesquisadores consideram difícil definir a competência; todavia, justificam a adoção do conceito a partir de uma perspectiva argumentativa que consiste em estabelecer o interesse heurístico e praxeológico da noção, ainda que, por vezes, ela assuma um caráter metafórico. De acordo com esses autores, a lógica das competências é considerada criativa do ponto de vista da pesquisa, pois, ao se -contrapor a uma centralização exclusiva nos saberes e nas qualificações, ela é mais capaz de levar a novas integrações reflexivas que permitam ultrapassar os contextos teóricos iniciais. Assim, eles analisam o papel funcional da noção: permitir colocar, confrontar e tentar resolver questões essenciais da educação. Nesse caso, a noção se refere tanto a um campo de problemas como a um campo conceitual. O pesquisador aparece como um homem de ação, envolvido nas práticas que analisa, tentando compreendê-las em toda a sua complexidade a fim de intervir para melhorá-las. Assim, o alcance prático da dimensão axiológica parece predominar.
Por fim, um último grupo de pesquisadores propõe estudos empíricos, geralmente estudos qualitativos de casos provenientes de outras pesquisas mais amplas ou realizados a partir de uma seleção de dados obtidos em situações de formação, ensino e/ou avaliação. Trata-se de um campo aberto no âmbito dos estudos práticos, orientados sobretudo para um paradigma qualitativo que utiliza diferentes caminhos segundo a natureza dos dados analisados. Em todos os casos, esses procedimentos se caracterizam por uma tentativa de articulação entre as ações de formação, de ensino e de avaliação e as condições contextuais e institucionais de realização. Por outro lado, esse último grupo de pesquisas busca delimitar seus objetos, caracterizar suas especificidades e dividir e reconstruir fenômenos isolados, com o objetivo de torná-los inteligíveis.
De forma global, os procedimentos empiricos que se inserem na lógica das competências se caracterizam por uma crítica ao reducionismo positivista aplicado às atividades humanas, uma análise "na prática" das propriedades das tarefas ou das atividades coletivas a serem aprendidas, bem como pela análise das necessidades dos aprendizes no domínio prático dessas atividades. Portanto, os procedimentos qualitativos podem representar uma etapa útil para o avanço do estudo dos recursos necessários ou disponíveis na realização de uma atividade, ou um aprofundamento das pesquisas mais amplas sobre os indicadores das competências. No entanto, os autores articulam de maneira diferente as práticas de intervenção e pesquisa; alguns deles adotam posições próximas da pesquisa/ação ou observação participante, tentando construir saberes em estreita interação com os profissionais; já outros estabelecem uma nítida distinção entre as práticas de pesquisa e as de intervenção, buscando critérios de validação científica para as primeiras.
Em suma, constatamos que os pesquisadores não utilizam a mesma abordagem conceitual e metodológica. Para uma grande parte deles, ela ainda parece estar em processo de construção. Entretanto, as perguntas sobre a lógica das competências, os projetos de pesquisa anunciados ou em curso, o esforço de construção de procedimentos de observação e de técnicas de análise de dados nos parecem constituir sinais promissores. Emerge um certo número de caminhos, sobretudo no que se refere à análise dos textos pedgógicos, à validação das aquisições e às práticas institucionais de formação, ensino e avaliação. Todas as pesquisas estão impregnadas de uma preocupaçao pela análise "em contexto", preocupação esta que abrange tanto o discurso e o sujeito aprendiz como as práticas educativas e que também atravessa o conjunto das pesquisas. As variáveis contextuais também são consideradas importantes na análise das instituições educativas e na avaliação dos aprendizes. Para poder integrá-las a modelos teóricos, os pesquisadores exploram as variáveis contextuais na complexidade da ação. Portanto, é possível dizer que os autores desta obra optam prioritariamente por procedimentos qualitativos a fim de apreender o enigma da competência.

 
As referências disciplinares e a inserção institucional
Com o intuito de questionar a noção de competência no âmbito educativo, a maioria dos autores deste livro baseia sua argumentação em conceitos e procedimentos que provêm de outras disciplinas, fora do âmbito das ciências da educação.
Todos eles parecem concordar em outorgar uma dimensão dinâmica, ativa e localizada à noção de competência, às referências às teorias da ação, aos modelos socioconstrutivistas da aprendizagem e aos modelos teóricos sobre o trabalho, provenientes da sociologia do trabalho e da ergonomia. Isso pode levar-nos a pensar que, para definir, compreender e dominar a competência na educação, o desvio ou a abordagem integrativa é indispensável.
Por outro lado, a própria natureza da noção de competência marca o "retorno do indivíduo" a certas disciplinas, o que leva um certo número de autores a explorá-la em função de referenciais teóricos da psicologia cognitiva. A competência nos encaminha à complexidade do funcionamento dos mecanismos cognitivos e, portanto, relativos às ciências da linguagem e à psicologia cognitiva. Além disso, nesse caso, o desvio parece pertinente. A competência é observada aqui através de sua função cognitiva.
No seio das ciências da educação, cada autor se refere essencialmente a campos que domina e conhece profundamente. Contudo, a vontade de se inserir e/ou se referir a um campo disciplinar constituído-o que permitiria distinguir os mecanismos ligados às atividades educativas, formativas e profissionais dos mecanismos de sua análise científica (Hofstetter e Schneuwly, 1998) - está muito pre ' sente. A psicologia da educação, as didáticas das disciplinas, do francês, da matemática, das ciências e da formação de adultos, a docimologia, a educação de adultos e a sociologia dos currículos e da formação profissional oferecem bases específicas que permitem questionar, definir ou situar a noção de competência e as práticas inerentes a ela na área da educação nos dias de hoje. Assim, o lugar da competência está situado claramente em um debate disciplinar que provoca sérios confrontos com base em fatos empíricos analisados e em fenômenos educativos que se tenta tornar inteligíveis.
Desse modo, a competência parece ocupar um lugar em todos os domínios das ciências da educação. isso nos remete à "aposta das ciências da educação", cujo processo de disciplinaridade - em curso - baseia-se especialmente em uma pluridisciplinaridade constitutiva (Hofstetter e Schneuwly, 1998). Desse ponto de vista, consideramos a competência como um catalisador nesse processo. Por outra perspectiva, a necessidade de realizar desvios por meio de referenciais externos é intrigante. Não se questiona a utilidade que isso representa, mas a maneira como essa noção clarificada em um campo científico se torna caótica na aplicação desses referenciais a nosso campo disciplinar. A noção de competência se encontra em uma encruzilhada de disciplinas das ciências humanas e sociais, como demonstram os autores desta obra. No entanto, a apropriação dessa noção como conceito que pode tornar-se específico para as ciências da educação e analisado como tal continua sendo polêmica. Embora seja um catalisador, ela também é um revelador do estado provisório da base científica da reflexão. A transposição de uma disciplina para outra e de um domínio para o outro provoca alguns problemas. Por exemplo, a passagem do mundo econômico e do trabalho para o mundo da formação e, posteriormente, para o mundo escolar, provoca conseqüências no sentido a ser dado às competências e na forma de percebê-las como uma dedução linear em matéria de pesquisa. Um conceito proveniente de um determinado contexto teórico muda de significado quando é integrado a outro aparelho conceitual.
As fontes disciplinares múltiplas, os pontos de interseção dessas disciplinas e as apropriações específicas de cada domínio das ciências da educação são elementos que tendem a fazer aceitar a noção de competência em toda a sua variabilidade. O mesmo acontece com a variabilidade dos contextos institucionais em que se inserem a noção de competência e seus usos.
Recordemos que a imbricação dos terrenos tem relação com a construção da pesquisa e a forma de sua restituição. A inserção social e profissional dos pesquisadores em instituições diversas e a vontade explícita, em um certo número de casos, de intervir nos terrenos analisados também condicionam suas posições. O envolvimento do pesquisador em um contexto profissional determinado faz com que transpareça uma influência. Em primeiro lugar, as finalidades das estruturas formativas e as pressões sociais dos sistemas educativos condicionam a maneira como se trata a competência. Por exemplo, as limitações de uma ação de formação no universo carcerário são muito diferentes das de uma prática inovadora de avaliação formativa no contexto da sala de aula. Os pesquisadores e pesquisadoras são confrontados com domínios e saberes profissionais que não são os mesmos, e que, embora a noção de competência continue sendo um catalisador, ela pode ser tratada de forma diferente, pois as necessidades e os recursos mobilizados não são os mesmos. Por fim, é importante destacar o papel dos níveis básicos da pesquisa, os quais envolvem o aprendiz, o formador, o sistema educativo, ou ainda a modelação teórica do campo disciplinar, para não correr o risco de provocar confusões. A inserção em terrenos de pesquisa provocará efeitos, como se sabe, tanto nas práticas analisadas como nas representações dos atores e dos pesquisadores envolvidos.

 
Convergências e divergências nas tomadas de posição
Levando em conta a problematização da obra que se predispõe a to~ madas de posição sobre a noção de competência como necessidade ou moda educativa, todos os autores debateram amplamente sua legitimidade e pertinência. Na verdade, nenhum deles a considerou apenas como um efeito da moda. Todos eles analisam a lógica das competências naquilo que ela produz e/ou induz, tanto no plano epistemológico como funcional para as ciências da educação. Entretanto, as tomadas de posição divergem quanto à necessidade da noção.
De acordo com alguns autores, a argumentação reside nas perspectivas da noção diante das modelações teóricas e dos problemas práticos que ela ajuda a compreender. Essa linha de argumentação está centrada na ação do aprendiz como indivíduo social, na passagem de uma lógica de restituição para uma lógica de compreensão, na possibilidade de dar conta da riqueza do "trabalho vivo" na formação ou, ainda, na constituição de uma rede de recursos, como alternativa à pedagogia por objetivos, ou na sua mobilização nas tarefas educativas. Outros insistem na flexibilidade da noção e denunciam sua utilização, mostrando que ela não representa uma alternativa intelectual a outras noções. Assim, seu uso é considerado como uma estratégia para afastar o sistema de qualificação, para desregulamentar a escola pública, para limitar o peso da transmissão do saber ou, ainda, para transformar o sistema de avaliação de conhecimentos. Com freqüênclã, as posiçoes epistemológicas dos autores que adotam uma posição crítica estão relacionadas a posições ideológicas, baseadas nas realidades sociais observáveis. Por exemplo, as discriminações com relação às mulheres na área de formação são atenuadas ou reforçadas pelas práticas de avaliação das competências? Sob esse ponto de vista, a clareza dos referenciais de competências existentes é questionada, assim como a autonomia direta dos aprendizes. Infalivelmente, a noção de competência nos confronta com os riscos que ela envolve, tanto no plano das práticas educativas como no nível conceitual.
Os pontos de vista dos autores também permitem entrever certos diálogos entre seus escritos. Este é o caso de Bronckart e Dolz, que adotam o princípio de um risco epistemológico, e de Allal e Perrenoud, que concordam sobre a utilidade da noção de competência. Por outra ótica, embora esses dois últimos estejam de acordo quanto à sua necessidade, eles divergem em relação ao que há de subjacente a ela. Outro exemplo de diálogo é o que se esboça entre Durrive, que defende o princípio de que a competência permite que a ação educativa se baseie no inédito e no trabalho vivo, e Conne e Brun, que mostram que as competências dificilmente podem dar conta da atividade de filiações e rupturas entre conhecimentos na prática, savoir-faire e conteúdos. Além disso, Percebemos que a distincâo entre competência e capacidade não coincide em Allal e Bronckart e Dolz.
Com argumentos favoráveis à noção, a seu sentido no plano conceitual e nas práticas pedagógicas, ou com uma argumentação crítica, todos os autores concordam em um ponto: a competência nos confronta com um conjunto de paradoxos, tanto conceituais como práticos. A riqueza dos debates reside na evidente dificuldade de clarificar o que poderia tornar-se um conceito circunscrito e reconhecido pela pedagogia e pelos seus campos de prática. Os paradoxos são inerentes às potenciais evoluções terminológicas e conceituais: competência, capacidade, mobilização, condutas, desempenhos, etc., e ao questionamento dos princípios e das práticas pedagógicas que interessam às ciências da educação e que elas analisam há bastante tempo. No entanto, nenhum autor arrisca contrapor a noção de saber à de competência. Ainda que uma grande parte dos autores integre o saber como um recurso da competência e discuta o lugar das dimensões metacognitivas e da relação com o saber, só uma parte deles adota as noções de competência "transversal" e "transferível".
Em resumo, por aquilo que a competência significa no campo educativo, ela acaba com referenciais estabelecidos e validados. Tanto na área da didática como na da avaliação, em situação escolar e na formação de adultos, ela fragiliza os princípios estabelecidos, como os autores demonstram. Na concepção deles, a lógica das competências é um indicador de mudança nos sistemas educativos, bem como um revelador de uma evolução dos conceitos epistemológicos. Para as práticas educativas, condicionadas por opções políticas, não é mais possível considerar a escola e as instituiçoes de formação como sistemas isolados. As pressões de ambientes políticos e econômicos externos que adotaram a lógica das competências em sua realidade e na avaliação de suas prestações obrigam a escola e a formação a acompanhar esse movimento. Ele representa, em si mesmo, um importante objeto de discussão. Por outro lado, as concepções pedocêntricas provenientes da Nova Escola se unem, em nome da mudança, a um certo número de princípios da lógica das competências, como aquele que se refere a compreender na ação e levar em conta as aquisições do aprendiz. Do ponto de vista epistemológico, a lógica das competências dá maior importância à análise das atividades coletivas prévias, leva em consideração sua complexidade e o peso dos mecanismos de avaliação social e do contexto. Trata-se de uma lógica promovida por numerosos pesquisadores que se referem ao paradigma sociocultural, às teorias da ação ou àquelas que se inserem nas correntes da "cognição situada" ou da "resolução de problemas". Paradoxalmente, as principais reservas também provêm de autores que pertencem aos mesmos contextos teóricos.

 
ORGANIZAÇÃO DA OBRA
Dividimos as contribuições dos autores em três partes. Ao contrário das necessidades de mudança às quais nos leva a noção de competência, a organização dessas contribuições continua sendo clássica. Hesitamos entre essa escolha e a opção que teria dado maior visibilidade a temáticas (abordadas anteriormente), como a dos procedimentos de pesquisa ou de avaliação. De fato, consideramos que a avaliação é uma problemática que atravessa o conjunto das contribuições organizadas de modo prioritário conforme as definições, a situação escolar e a formação profissional.
Na primeira parte, à guisa de abertura, pesquisadores provenientes de diferentes horizontes abordam os problemas provocados pela definição de competência e pela propagação de seu uso nas ciências da educação. As múltiplas tentativas de esclarecimento e de redefinição estudadas servem de base para uma discussão, retomada no conjunto da obra, sobre a pertinencia do uso da noção, o significado de sua propagação nos ambientes escolares e de formação de adultos, assim como sobre as atuais apostas das práticas desenvolvidas no campo do trabalho sob o signo da competência.
A contribuição de Jean-Paul Bronckart e Joaquim Dolz se inicia com uma análise das origens e do status epistemológico da competência no mundo da educação. Os autores discutem a pertinência dessa noção e da lógica subjacente no que se refere ao estudo da aprendizagem das ações de linguagem. Propõem uma alternativa, ilustrada por uma pesquisa em curso sobre a exposição oral em francês. A partir de uma discussão sobre a questão da transferência dos conhecimentos, Philippe Perrenoud analisa as implicações sociológicas da noção de competência, que ele prefere associar à metáfora da mobilização dos recursos cognitivos. Ele aborda os desafios da mobilização dos conhecimentos como uma possibilidade de democratização dos estudos e inicia um debate teórico sobre a fecundidade dessa metáfora, tanto no campo do trabalho como no da formação profissional ou escolar. Como socióloga do trabalho, Marcelle Stroobants defende a hipótese de que a promoção das competências constitui uma forma estratégica de enfraquecer os sistemas de qualificação. Ela insiste, por meio de diferentes pesquisas realizadas em empresas, nos limites de sua construção conceitual e social, que apenas reforçam a individualização dos reconhecimentos profissionais em detrimento de sistemas coletivos negociados.
Na segunda parte, foram reunidas as contribuições dos pesquisadores que trabalham no campo da aprendizagem e/ou do ensino em situação escolar. A emergência do termo competência na reescrita dos planos de estudo é analisada como um indicador de mudanças nas finalidades perseguidas pela escola ou nas concepções da aprendizagem. A competência é descrita e discutida como uma nova noção para definir os objetos e as formas de ensino e avaliação.
Situando-se no contexto dos trabalhos sobre a "cognição situada" e dos procedimentos de "resolução de problemas", Linda Allal apresenta as noções de competência e capacidade como "descritores" dos desempenhos observados em uma família de situações de ensino/aprendizagem e de avaliação. As novas ferramentas e estratégias de avaliação formativa, sobretudo a constituição de portfólios, são analisadas como formas de validação e consolidação das competências dos alunos. François Conne e Jean Brun, didáticos da matemática, analisam a noção de competência como "revelador" dos processos de transposição didática nos programas e nos manuais escolares da Suíça francófona. Para esses autores, a introdução do referido termo parece um sinal de mudança de concepção do ensino da matemática, que reconhece o papel dos conhecimentos prévios dos alunos e sua atualização na realização das tarefas propostas. O objetivo dessa contribuição ultrapassa a simples descrição das transposições operadas pelas instituições escolares, mas tenta compreender e discutir os riscos introduzidos pelas mudanças observadas. Samuel Johsua, didático das ciências e da matemática, formula a hipótese de que "a visão das competências" é uma tentativa de resposta às novas exigências dos sistemas educativos que propõem a passagem de uma lógica da restituição" para uma "lógica da compreensão". O autor analisa os paradoxos, a flexibilidade e a ambigüidade dessa mudança nos novos programas. Por fim, o aporte de Daniel Bain começa com uma crítica às pesquisas internacionais sobre as competências. Essa crítica tem relação com a defasagem existente entre as definições da noção, as dimensões a serem avaliadas e os testes utilizados nesse tipo de pesquisas. O autor atua por meio de um movimento inverso: "Digame como avalia as competências e lhe direi como você efetivamente as define"; analisa qualitativamente, no contexto de uma observação participante, as práticas emergentes de avaliação dos professores de biologia e física, centradas na aquisição de um procedimento científico, para abordar a problemática das competências de ação, em toda a sua complexidade.
Por fim, a terceira parte se dedica aos trabalhos no âmbito da formação profissional, nos quais os usos dessa noção se disseminaram amplamente. Vários estudos se referem à análise de ações concretas de formação relacionadas a situações de trabalho. As modelações da competência propostas buscam obter uma melhor compreensão da complexidade do encontro entre o adulto aprendiz e o ambiente de trabalho, bem como uma análise dos recursos de aprendizagem envolvidos na execução das atividades e das tarefas profissionais.
Baseando-se no modelo do triângulo didático, Jean-Michel Baudouin propõe uma nova conceituação didática da formação, introduzindo um quarto pólo que visa à atividade, enriquecida e renovada pelas pesquisas sobre a competência. Essa modelação didática faz com que se examine com um novo olhar os vínculos dialéticos entre saber e atividade nos dispositivos de formação. Por meio da abordagem ergológica baseada nas situações de trabalho reais, consideradas indispensáveis para a concepção e para o desenvolvimento das aprendizagens, Louis Durrive explora os enigi-nas da competência por meio da análise de uma ação inovadora de formação específica em uma prisão. A análise do funcionamento-padrão da situação de trabalho precede a análise de uma seqüência temporal explorada na formação e desemboca na hierarquização das competências atualizadas na ação por um estagiário. A partir da evolução da educação de adultos e das lógicas de construções pedagógicas das ações de formação, Edmée Ollagnier apresenta quatro estudos de caso: três dispositivos destinados à inserção de mulheres e desempregados no mercado de trabalho e a aplicação de um sistema de validação das aquisições na universidade. Por meio desse viés, ela mostra como a noção de competência constitui, ao mesmo tempo, um trunfo para os sistemas educativos e um perigo tanto para os aprendizes como para os atores responsáveis pelas ações de formação. Aplicando seus estudos sobre o uso da noção de competência, Françoise Ropé nos introduz, partindo de uma descrição das práticas, nas características da validação das aquisições. A autora nos mostra como essas novas práticas introduzem, por intermédio de seu objetivo legal, um valor para a experiência profissional nos diplomas e como os atores se posicionam perante esse estado de fato. Ela ainda insiste na ambigüidade desses dispositivos, centrados nos savoir-faire na açâo, mas que, de fato, avaliam por meio dos textos produzidos pelos candidatos as capacidades tradicionalmente requeridas pela escola.

 

REFERÊNCIAS

  
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