O portfólio (pasta de trabalho e
registros) é uma modalidade de avaliação devedora do campo da arte. Não é essa
a primeira vez que o âmbito da Educação apresenta uma relação com o campo da
arte mediante uma apropriação e uso de metáforas e analogias que se revelaram
frutíferas. No tema concreto da avaliação, no início dos anos 70 Eisner já sugeriu a possibilidade de
servir-se, no momento da avaliação, de uma estratégia similar à empregada pela
crítica no campo da arte.
A conexão do portfólio
com o trabalho dos artistas é explicada por Gardner nos seguintes termos: “Na vida cotidiana, são os artistas
que estão interessados em ingressar numa Escola, ou em competir para obter um
prêmio ou uma exposição numa galeria os que montam as pastas (os portifólios)
com maior freqüência. Constituídas assim, são coleções dos produtos acabados.
Em troca, nossas pastas (portifólios) estão deliberadamente pensadas para serem
recordações de ‘obras em processo’”.
Arquitetos,
desenhistas e artistas recolhem, selecionam e ordenam amostras de sua
trajetória profissional para poder apresentá-las em um suporte físico (o
portfólio), de maneira que o destinatário possa apreciar os marcos mais
significativos de seu percurso, ao mesmo tempo em que adquire uma visão global
do mesmo.
No Ensino Fundamental,
Médio e Superior, é possível realizar um processo de seleção e ordenação de
amostras que reflitam a trajetória de aprendizagem de cada estudante, de
maneira que, além de evidenciar seu percurso e refletir sobre ele, possam
contrastá-lo com as finalidades de seu processo e as intenções educativas e
formativas dos docentes. A função do portfólio se apresenta, assim, como
facilitadora da reconstrução e da reelaboração por parte de cada estudante de
seu próprio processo ao longo de um curso ou de um período ou ciclo de ensino.
A utilização do
portfólio como recurso de avaliação é baseada na ideia da natureza evolutiva do
processo de aprendizagem. O portfólio oferece aos alunos e professores uma
oportunidade de refletir sobre o progresso dos estudantes em sua compreensão da
realidade, ao mesmo tempo em que possibilita a introdução de mudanças durante o
desenvolvimento do programa de ensino. Além, disso, permite aos professores
aproximar-se do trabalho dos alunos não de uma maneira pontual e isolada, como
acontece com as provas e exames, mas, sim, no contexto do ensino e como uma
atividade complexa baseada em elementos e momentos de aprendizagem que se
encontram relacionados.
Por sua vez, a
realização do portfólio permite ao alunado sentir a aprendizagem institucional
como algo próprio, pois cada um decide que trabalhos e momentos são
representativos de sua trajetória, estabelece relações entre esses exemplos,
numa tentativa de dotar de coerência as atividades de ensino, com as
finalidades de aprendizagem que cada um e o grupo se tenha proposto.
Chegando a essa altura,
poderíamos definir o portfólio como um continente de diferentes classes de
documentos (notas pessoais, experiências de aula, trabalhos pontuais, controles
de aprendizagem, conexões com outros temas fora da Escola, representações
visuais, etc.) que proporciona evidências do conhecimento que foi sendo
construído, das estratégias utilizadas para aprender e da disposição de quem o
elabora em continuar aprendendo.
Mas um portfólio é algo
mais do que a recompilação de trabalhos ou materiais guardados numa pasta, ou
os apontamentos e notas tomadas em sala de aula passados a limpo, ou uma
coleção de recordações de aula coladas num álbum. Um portfólio não implica só
selecionar, ordenar evidências de aprendizagem e colocá-las num formato para
serem mostradas. Como assinala Gardner, no portfólio é possível identificar
questões relacionadas com o modo como os estudantes e os educadores refletem
sobre quais são os objetivos de sua aprendizagem, aqueles que foram cumpridos e
os que não foram cobertos, onde foi enfocado de maneira inadequada o esforço
para a aprendizagem e em que direções torna-se mais promissor enfocá-lo para o
futuro. Definitivamente, permite que cada aluno reconstrua seu próprio processo
de aprendizagem.
O que caracteriza o
portfólio como modalidade de avaliação não é tanto seu formato físico (pasta,
caixa, CD-ROM, etc.) como a concepção do ensino e aprendizagem que veicula. O
que particulariza o portfólio é o processo constante de reflexão, de contraste
entre as finalidades educativas e as atividades realizadas para sua consecução,
para explicar o próprio processo de aprendizagem e os momentos-chave nos quais
o estudante superou ou localizou um problema.
Critérios de avaliação de um portfólio
Avaliar um portfólio, ou seja,
pronunciar-se pelo valor educativo e formativo do processo reconstruído, e se
quisermos qualificá-lo, não é mais difícil do que avaliar e qualificar o saber
que se explicita num exame, num ensaio, num trabalho de pesquisa ou num
projeto, ainda que possa ser, de fato, pela quantidade e diversidade de
informação que recolhe, mais trabalhoso. Em geral, o êxito do esforço dos
estudantes e o valor das apreciações que realizam os docentes dependem, em
grande parte, da clareza dos propósitos do portfólio e da aprendizagem de cada
aluno, e das finalidades do curso, por parte do professor. Neste ponto cabe
fazer notar que não costuma ser habitual que o professor mostre, de antemão e
de forma pormenorizada, todos esses detalhes. Assim, se um docente ou equipe de
docentes decide utilizar o portfólio, terá que revisar o conjunto do
planejamento de sua atividade de docente.
Em nosso caso,
utilizamos para avaliá-los uma estratégia de diálogo que nos permite
estabelecer, junto com os alunos, alguns critérios que permitam organizar suas
produções. Critérios que podem ir desde a mera recompilação de evidências até a
interpretação dos problemas surgidos ao longo do processo de aprendizagem.
O portfólio, à
diferença de outras formas de avaliação, como o exame, dá a oportunidade aos
professores e aos alunos de refletirem sobre o desenvolvimento dos estudantes e
suas mudanças ao longo do curso (o que não se aprecia com um exame ou com
alguns métodos estatísticos).
O portfólio permite aos
professores acompanhar o trabalho dos estudantes num contexto em que a
atividade de ensinar é considerada como uma atividade complexa com elementos
inter-relacionados. Nesse sentido, ele permite apreciar a relação das partes
com o todo e, sobretudo, é um recurso para relacionar a teoria com a prática.
Os projetos de trabalho terminam num portfólio em que cada aluno seleciona,
ordena as evidências que foram sendo reunidas durante a pesquisa para responder
ao problema proposto. Dessa maneira, estendem ao portfólio as estratégias de
relação com a informação aprendidas durante a realização do projeto.
O portfólio, como
modalidade de avaliação vinculada à reconstrução do processo de aprendizagem,
tenta abordar algumas problemáticas relacionadas à representação do
conhecimento elaborado pelos alunos, ao mesmo tempo em que introduz outras que
requerem mudanças com respeito à situação atual da formação dos professores, à
perspectiva sobre o ensino e a aprendizagem, ao papel dos alunos, à interação
docente, à definição dos conteúdos e sua relação com as atividades, à atitude
investigadora na sala de aula...
Texto extraído de Transgressão e Mudança na Educação
Os Projetos de Trabalho – ARTMED – 1998 Fernando Hernández
(Cap. IV – A avaliação como parte do
processo dos projetos de trabalho – p.98/101)
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